“Neste momento crítico precisamos de um investimento mais robusto”, avisa bastonário dos médicos

Miguel Guimarães recorda que desde o início da pandemia que ficaram por fazer milhões de consultas presenciais, exames e milhares de cirurgias. Bastonário defende reforço de recursos humanos e mais autonomia.

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Rui Gaudencio

“Neste momento, que é um momento crítico, em que temos milhões de exames diagnóstico para recuperar, milhões consultas por fazer, milhares de cirurgia por fazer, é evidente que precisamos de um investimento mais robusto, senão dificilmente vamos conseguir dar resposta”, afirmou o bastonário dos médicos. Miguel Guimarães, em audição no Parlamento, defendeu a necessidade de reforço de recursos humanos e mais autonomia nas unidades de saúde do serviço pública para melhorar a resposta aos doentes.

O bastonário foi chamado esta quarta-feira à comissão de saúde para falar sobre recomendações para a revitalização do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e não escondeu a preocupação em relação ao número de cuidados médicos, de enfermagem e de exames que têm ficado por fazer, com especial impacto nos doentes não covid. De acordo com dados que apresentou na comissão, resultantes de um inquérito, desde Outubro que ficaram por fazer nove milhões de consultas presenciais nos centros de saúde. E esse é apenas um exemplo.

“Esta pandemia tem um impacto directo nos doentes covid, mas o impacto lateral da pandemia é muito maior nos doentes não covid. O SNS respondeu, mas não respondeu a tudo. A nossa preocupação é com todos os doentes”, afirmou Miguel Guimarães, considerando que os utentes “já não têm medo de ir aos cuidados de saúde”. “Não há é capacidade para o fazer, porque não conseguimos fazer tudo ao mesmo tempo”, afirmou, referindo que os médicos e enfermeiros de família deviam ser libertados de tarefas burocráticas dando-lhes tempo para atender os seus doentes.

Um dos enfoques do bastonário foi na questão dos recursos humanos. “Lamentamos que até hoje ainda não tenhamos resolvido o problema e parece que vai ser na mesma em 2021. Não vejo grandes medidas no Orçamento de Estado que tenham a ver com o reforço das carreiras profissionais e outras medidas que pudessem ser adoptadas para reforçar verdadeiramente resposta do SNS.”

Lembrando o elevado número de horas extraordinárias feitas pelos profissionais do SNS e o recurso sistemático a empresas prestadoras de serviço médico, Miguel Guimarães reforçou: “O melhor caminho é contratar as pessoas necessárias. É preciso fazer uma alteração estruturante e melhorar as carreiras dos profissionais.”

SNS “é muito forte”, mas todo o sistema é mais

Para o bastonário, o “SNS é muito forte, mas se se juntar com o resto do sistema [de saúde] estamos se calhar mais bem preparados do que a maioria países europeus para dar a resposta mais adequada a todos”. Considerou, por isso, é preciso contratualizar com os sectores privado e social, à semelhança do que alguns hospitais estão fazer. O caso mais recente é o do Centro Hospitalar Lisboa Norte que vai operar até 500 utentes em unidades com quem estabeleceu protocolos para uso dos blocos operatórios e internamento.

Defendeu igualmente a criação de planos plurianuais de investimento e dar autonomia hospitais. “Assim acabam por funcionar melhor. Continuamos sem fazer uma reforma hospitalar mais ampla”, lamentou, afirmando que outro ponto fundamental é dar verdadeiras condições aos hospitais e centros de saúde para fazerem telemedicina.

Mais, alertou o bastonário, há um conjunto de doentes “que não chegaram a entrar sistema, porque médicos dos cuidados de saúde primários estão maioritariamente com tarefas covid. “Os cuidados de saúde primários são principal porta de entrada no SNS”, apontou, sugerindo que seja atribuída à saúde uma percentagem do PIB semelhante à da média europeia.

Também o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares defendeu o acompanhamento regular dos dados e alertou para os efeitos que a crise económica que já se vive pode ter no agravamento no acesso aos cuidados de saúde. “Não devemos aceitar a redução brutal do acesso a cuidados de saúde como algo que não pode ser mitigado”, afirmou Alexandre Lourenço.

Para o responsável, deve haver por parte do Governo uma campanha de comunicação para apelar aos utentes que se desloquem aos cuidados de saúde, dando-se prioridades a áreas com maior morbilidade como diabetes, doença respiratória crónica ou saúde mental. “Os recursos são escassos, mas faz sentido que sejam direcionados para algumas patologias”, disse, acrescentando que “é urgente que exista uma resposta planificada para doentes não covid”.

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