Nuno Crato rejeita “acusações falsas e irresponsáveis” para justificar descida dos alunos portugueses a Matemática
O ex-ministro da Educação, Nuno Crato, rejeita quaisquer responsabilidades no agravamento do desempenho dos alunos portugueses do 4.º ano a Matemática. E defende-se das acusações do secretário de Estado da Educação, João Costa, lembrando que o que mudou desde que deixou o ministério foi “a avaliação ou a falta dela” e a abolição das prioridades curriculares.
Dizendo-se “profundamente preocupado” com a descida de 16 pontos que os alunos portugueses do 4.º ano revelaram a Matemática no TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study), que é o maior estudo internacional que avalia o desempenho dos estudantes do 4.º e 8.º anos de escolaridade nas disciplinas de Matemática e Ciências, o ex-ministro da Educação, Nuno Crato, rejeita, contudo, quaisquer responsabilidades no agravamento dos resultados. E vai mais longe ao acusar a actual equipa ministerial de estar a substituir por “acusações irresponsáveis e falsas” o que deveria ser uma análise séria da descida evidenciada pelos alunos portugueses.
Numa escala de 1 a 1000 pontos, os alunos do 4.º ano obtiveram 525 pontos a Matemática, ou seja, menos 16 pontos do que em 2015. Na reacção a este retrocesso, o secretário de Estado da Educação, João Costa, responsabiliza Nuno Crato, mais concretamente a reforma implementada durante o tempo em que o matemático liderou o Ministério da Educação, entre 2011 e 2015, e que ficou marcada pela introdução dos exames finais no 4.º e 6.º anos de escolaridade e pela mudança dos currículos da disciplina de Matemática. “Esta é uma geração que é inteiramente das Metas Curriculares”, afirmou, referindo-se à reforma implementada no Governo de Pedro Passos Coelho, em que Crato era titular da pasta da Educação.
“Nunca, na história da nossa democracia se assistira a um passa-culpas deste nível”, reage agora Nuno Crato, em declarações ao PÚBLICO, para sustentar que a reversão do progresso comprovado em 2015 é “resultado de uma série de medidas entretanto adoptadas”.
“A avaliação externa no 4.º ano, que vinha desde 2001 com provas de aferição e depois com provas finais em 2014, foi abolida e não foi substituída por nenhuma forma de avaliação externa. A obrigatoriedade de mais horas em Matemática e em Português e da frequência do apoio ao estudo também foi eliminada”, recorda ainda Crato, para quem o que mudou entretanto relativamente às suas orientações enquanto ministro (e cujas Metas Curriculares “não sofreram alterações até hoje”, como sublinha) “foi a avaliação, ou a falta dela e foi a flexibilidade curricular e a natureza vaga das aprendizagens essenciais que aboliram as prioridades curriculares e geraram um discurso e prática de menor ambição, menosprezando as Metas e reduzindo em muito o seu impacto positivo”.
“Em 2015, os estudantes do 4.º que nos encheram de orgulho tinham feito todo o seu percurso escolar entre 2011 e 2015, numa cultura de exigência, de avaliação e de valorização do conhecimento. Os alunos avaliados pelo TIMSS em 2019 não tiveram esse percurso. É sobre isto que é preciso tirar lições”, insiste Nuno Crato.
Portugal participou no TIMSS 2019 com 4300 alunos do 4.º ano. Na avaliação do desempenho a Matemática, o estudo tem em consideração três áreas de conteúdo e outras tantas dimensões. Os alunos nacionais mostraram ser melhores a Aplicar (528 pontos) do que a Conhecer (523) as matérias. A dimensão em que demonstram maiores dificuldades é, porém, no Raciocínio (519). O decréscimo foi mais pronunciado (menos 19) no que toca aos conteúdos de “Medida e Geometria” (agora com 520 pontos). Na área de “Números”, a média ficou-se pelos tiveram 524 pontos.
Estes resultados evidenciam o que já fora apontado noutros estudos, como seja a importância da educação pré-escolar: os alunos que nunca frequentaram o pré-escolar obtiveram a Matemática, em média, menos 49 pontos do que os alunos que a frequentaram durante pelo menos três anos. Do mesmo modo, a origem dos alunos parece ter peso no desempenho: os que frequentam escolas com um perfil sócio-económico mais favorecido tem resultados mais elevados, com uma diferença de 28 pontos na Matemática do 4.º ano. Os alunos com mais recursos para a aprendizagem disponíveis em casa obtiveram, em média, mais 108 pontos.
Programa “desajustado e pernicioso”
Para a presidente da direcção da Associação de Professores de Matemática (APM), Lurdes Figueiral, estes resultados indiciam problemas no ensino da disciplina que a associação a que preside vem há muito denunciando. Além da universalização do pré-escolar, a presidente da APM reitera a necessidade de investir mais na “preparação e formação contínua” dos professores, sem as quais diz não ser possível ter profissionais satisfeitos "com a sua carreira e condições de trabalho”.
Por outro lado, o maior envolvimento dos alunos nas aulas exige “diferentes objectivos e abordagens curriculares”. “Parece-nos urgente que se ultrapasse rapidamente a incoerência curricular a que estamos sujeitos: um programa desajustado e pernicioso, aprendizagens essenciais que dificilmente se coadunam com aquele, num processo de remedeios rápidos e pouco consistentes que deixam os professores à mercê de um quadro curricular contraditório, critica Lurdes Figueiral.
A representante dos professores de Matemática exige ainda que se criem “condições de trabalho para os professores”, dando-lhes tempo para “o trabalho colaborativo entre colegas, para estudar, para programar, para avaliar e reflectir”. Sem isso, conclui Lurdes Figueiral, será difícil “implementar na escola e na sala de aula práticas lectivas estimulantes e de forte qualidade formativa, tendo como objectivo o desenvolvimento de aprendizagens matemáticas significativas e consolidadas”.
Igualmente “muito preocupada” com a descida no desempenho dos alunos do 4.º ano, a Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM), de cuja liderança Nuno Crato chegou a fazer parte, considera que “a descida de 16 pontos significa que teriam de ser os alunos do 5.º ano a fazer o exame do 4.º ano” para se conseguirem em 2019 resultados comparáveis aos de 2015. “É uma queda que só se pode considerar dramática e muito preocupante”, enfatiza a SPM num comunicado em que critica algumas das medidas adoptadas nos anos mais recentes e sem “evidência científica quanto à sua bondade”. Como exemplos apontam a eliminação do que tinham como “traves mestras” enquadradoras do sucesso anterior, mais concretamente a “eliminação da obrigatoriedade da frequência do apoio ao estudo”.
Tratou-se de uma medida que, não tendo abalado os bons alunos, “prejudicou gravemente os mais frágeis e agravou o fosso para o particular”.
A eliminação do exame nacional do 4.º ano foi outra das alterações duramente criticadas pela SPM, que aproveita para criticar a centralidade conferida a outras disciplinas em “prejuízo da Matemática e do Português”. No entender da SPM, os actuais resultados, mais do que para procurar culpados, devem servir para “reconhecer e corrigir erros”.