Primeiro-ministro etíope garante que sabe onde estão escondidos os líderes Tigré

Forças do Governo só não atacaram porque os dirigentes levaram as mulheres e os filhos na sua fuga, disse Abiy Ahmed.

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O primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, proclamou a vitória na guerra este fim-de-semana, mas os combates continuam EPA

Os líderes dissidentes do Tigré em fuga estão localizados e na linha de fogo do exército, anunciou esta segunda-feira o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, menos de 48 horas após ter proclamado a vitória militar na região norte do país.

Abiy Ahmed, Prémio Nobel da Paz em 2019, iniciou uma ofensiva militar a 4 de Novembro, alegadamente em resposta a um ataque contra uma unidade militar federal por forças do estado autónomo do Tigré, com o objectivo de substituir as autoridades regionais da Frente Popular de Libertação do Tigré (FPLT) por “instituições legítimas”.

No sábado à noite, o chefe do Governo etíope anunciou que o exército federal tinha assumido o controlo de Mek'ele, a capital do Tigré, e que dava início à perseguição dos líderes regionais.

“Quero que me ouçam: ontem [domingo] à noite, por volta da meia-noite, acompanhámos a partir da sala de crise a agitação na zona desde Hagere Selam até Abiy Addi”, duas cidades a cerca de 50 quilómetros a oeste de Mek'ele, disse Abiy Ahmed, numa intervenção na Câmara dos Representantes, a câmara baixa do Parlamento etíope, em Adis Abeba, referindo-se à liderança da FPLT.

“Não os atacámos durante a noite porque levavam consigo na fuga as suas mulheres, filhos e soldados nossos capturados na sua retirada (...). Mas isto não vai continuar”, advertiu.

O líder regional de Tigré, Debretsion Gebremichael, apelou esta segunda-feira a Abiy Ahmed para “parar a loucura” e retirar as tropas federais da região, afirmando que os combates continuam “em todas as frentes”.

“Temos a certeza de que vamos ganhar”, afirmou Gebremichael numa entrevista telefónica com a agência Associated Press, manifestando-se longe de aceitar a proclamação de vitória de Abiy Ahmed no sábado.

O líder tigré acusou ainda as forças federais etíopes de levarem a cabo uma “campanha genocida” contra o seu povo e disse que se encontra fisicamente nas proximidades de Mek'ele.

A luta é pela autodeterminação da região de cerca de seis milhões de pessoas, afirmou Gebremichael, e “vai continuar até que os invasores saiam”.

Com o acesso à região de Tigré ainda cortado pelas forças federais, e em virtude do blackout imposto por Adis Abeba às comunicações na região, um mês após o início dos combates, não se sabe quantas pessoas foram mortas, assim como é quase impossível verificar as reivindicações, militares e outras, feitas por parte das partes beligerantes.

O International Crisis Group (ICG) - organização independente que trabalha na prevenção de guerras e políticas de paz - afirmou na sexta-feira que “vários milhares de pessoas foram mortas nos combates”.

Abiy Ahmed garantiu esta segunda-feira que o exército não causou quaisquer baixas civis na tomada de Mek'ele e de outras cidades do Tigré: “Nem uma única pessoa foi ferida durante a operação em Mek'ele”.

A comunidade internacional tem reiterado as suas preocupações com as consequências da operação militar sobre os civis e a ONU referiu-se já à eventual existência de “crimes de guerra”.

Grupos de direitos humanos e outros têm manifestado preocupações com as atrocidades que possam vir a ser conhecidas uma vez restabelecidas as comunicações e as ligações de transporte de e para a região.

Hospitais e centros de saúde em Tigré estão a funcionar com medicamentos e outros mantimentos “perigosamente abaixo” das necessidades para cuidar dos feridos, segundo referiu no domingo o Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV). Os alimentos também estão a escassear, em resultado de a região estar isolada da ajuda externa desde há quase um mês.

Num raro relatório a partir de Mek'ele, o CICV revelou ainda que o maior hospital na região no norte da Etiópia, o Ayder Referral Hospital, tem falta de sacos para cadáveres e que cerca de 80% dos seus pacientes têm ferimentos.

Os receios de um desastre humanitário generalizado crescem à medida que se somam os dias sem que as Nações Unidas e as organizações de ajuda humanitária sejam autorizadas a aceder à região.

Cerca de um milhão de pessoas foram deslocadas pela guerra, 44.000 fugiram para o Sudão. Vários acampamentos de deslocados na região de Tigré, onde vivem 96.000 refugiados eritreus, têm estado na linha de fogo.

“Precisamos, antes de mais, de acesso a Tigré”, disse no domingo o alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo Grandi, acrescentando que os seus colegas da ONU em Adis Abeba estão em discussões com o Governo etíope para obterem essa autorização.

O Governo de Abiy Ahmed prometeu criar um “corredor humanitário”, a ser gerido pelas forças federais, mas a ONU sublinhou que o mesmo deve ser neutro.