Papeleiras pedem “investimento equilibrado” entre floresta de produção e conservação
A Celpa está optimista quanto à dotação de 665 milhões de euros para as florestas previstos no Programa de Recuperação e Resiliência. Contudo, o seu director-geral deixa um alerta: é preciso “equilíbrio” entre floresta de produção e de conservação. E mais: “Tão importante como prever verbas para o sector, é desenhar medidas com ligação ao território”.
Se o bloqueio da Hungria e da Polónia à aprovação do pacote de resposta à crise pandémica composto pelo próximo quadro financeiro plurianual (QFP) e fundo de recuperação for ultrapassado, e Portugal vier a dispor das verbas previstas no PRR - Programa de Recuperação e Resiliência, o sector das florestas deverá receber 665 milhões de euros dos 14 mil milhões previstos nesse instrumento financeiro.
O PÚBLICO ouviu a Celpa – Associação da Indústria Papeleira sobre como defende que essa verba seja aplicada em Portugal.
O seu director-geral começa por dizer que “o facto de a floresta ter linhas específicas de financiamento é mais um sinal muito importante para o papel que esta desempenha, e continuará a desempenhar, no nosso país”. Afirma, depois, que as verbas que o país vai receber do PRR para as florestas devem “assegurar e responder às prioridades e necessidades do sector [florestal] e de todos os agentes da cadeia de valor”.
Luís Veiga Martins avisa: É necessário “assegurar o investimento no aumento de área florestal em equilíbrio”, ou seja, na “mesma proporção de floresta de produção e de conservação”. Diz ainda que é necessário “promover a sustentabilidade da cadeia de valor, através de fomento florestal assente em parcerias entre o Estado e os proprietários privados”, também se promovendo “a gestão agrupada à escala da paisagem” e “reequipando e capacitando as empresas prestadoras de serviço à floresta”, através do “apoio sustentado das organizações de produtores florestais”.
A Celpa agrega as 14 empresas industriais e florestais pertencentes à Altri, DS Smith, Renova e The Navigator Company. Juntas, produzem 100% da pasta de fibra virgem nacional e cerca de 90% de todo o papel e cartão. Gerem, de forma directa, 193,2 mil hectares de floresta, em propriedades próprias e arrendadas, 100% certificada.
“Acelerar o cadastro fundiário”
Nesta entrevista ao PÚBLICO, Luís Veiga Martins defende que é necessário “promover e valorizar sustentavelmente a biomassa florestal, acelerar o mecanismo de cadastro fundiário com recurso à informação existente e apostar na incorporação de conhecimento científico no sector”.
Estas são, aliás, medidas que “deverão em estar em linha com as preconizadas no PRR”. Qualquer delas, diz o director-geral da Celpa, “é de extrema relevância e importante para o sector”.
Deixa, porém, um alerta aos decisores políticos: A decisão sobre o que fazer e como fazer, essa “deverá ser tomada sem qualquer tipo de preconceito relativamente aos diferentes tipos de floresta, nomeadamente o das florestas plantadas, qualquer que seja a espécie”. É que, diz, essas espécies plantadas “são totalmente compatíveis com uma estratégia de biodiversidade, com a promoção do ordenamento do território e com o Roteiro da Neutralidade Carbónica e, sem elas, as metas a que o Governo português se comprometeu não são alcançáveis”.
O PÚBLICO questionou Luís Veiga Martins sobre que salto qualitativo será possível dar nas florestas em Portugal com a aplicação das verbas do PRR.
A resposta veio pronta: “Face às funções que a floresta exerce, deve procurar-se gerir e compatibilizar interesses, nomeadamente os de produção sustentável de material lenhoso e outros produtos florestais, como a cortiça, a madeira e a resina, com as funções de protecção e conservação”.
Por outro lado, devem ser “compatibilizados no uso da floresta todos os serviços dos ecossistemas”. Por exemplo, “o sequestro de carbono, biodiversidade e a qualidade da água, entre outros”.
Num propósito de desenvolvimento sustentado para Portugal, Luís Veiga Martins diz que “é importante reconhecer as finalidades múltiplas dos mosaicos florestais”, tal como é “fundamental a dependência mútua na gestão de recursos entre floresta de produção e floresta de protecção e conservação”.
Floresta de produção: eucalipto, pinho e sobro
“Temos a vantagem de o país possuir condições de clima e solo excepcionais em regiões diversas e, muitas vezes, complementares entre as principais espécies de produção e entre estas e a agricultura”, diz o responsável da Celpa. Tudo isso, diz, “potencia uma produção silvo-industrial com rendimentos interessantes para os produtores e para todos os agentes do sector”.
A Celpa acredita, por isso, que “o uso potencial do território para floresta é superior ao actual, dada a ocupação pouco racional do solo”, que é constituído com “quase 20% de matos e incultos, muitos deles sem qualquer valor de conservação”.
Num país onde a floresta de produção encontrou “condições únicas de desenvolvimento”, Luís Veiga Martins considera “fundamental reconhecer que ela está sustentada em três dos seus subsectores”: eucalipto, pinho e sobro. Subsectores esses que estão “na base de verdadeiros clusters industriais totalmente nacionais, baseados em recursos naturais, renováveis, biodegradáveis e sustentáveis”. E mais: “Com uma intensidade de I&D e inovação sem paralelo no tecido empresarial nacional.”
Por isso, quando se pergunta ao director-geral da Celpa sobre que salto qualitativo será possível dar nas florestas nacionais com a aplicação das verbas do PRR, ele eleva alto a fasquia: “Se tudo isto for salvaguardado no racional de aplicação das verbas, então sim, será dado esse salto qualitativo na segurança e resiliência da floresta, numa maior produtividade, numa maior eficiência das operações, maior fixação de CO2, mais biodiversidade e, consequentemente, na sustentabilidade do sector, dos seus agentes e do país”.
“Incentivar medidas de governança”
Luís Veiga Martins é claro: Portugal tem de fazer “uma aposta clara na gestão florestal activa, isto é, incentivar medidas de governança para florestas resilientes e sustentáveis do ponto de vista social, económico e ambiental”.
E as prioridades devem assentar em “três áreas de extrema relevância estratégica”.
A primeira implica “reorganizar o cadastro”, considerado uma “ferramenta fundamental para termos informação credível e actual, que servirá para agilizar processos de emparcelamento e gestão agrupada à escala da paisagem”.
A segunda passa por “transformar a paisagem actual com o reconhecimento do enorme contributo que a floresta de produção tem na sustentabilidade do nosso território e na manutenção das florestas de conservação”.
Por fim, diz o director-geral da Celpa, é necessário “reformar o sistema de prevenção dos incêndios rurais, onde, por exemplo, as nossas associadas, através da Afocelca, já têm uma actuação muito importante”. Desde logo, até, porque “98% das intervenções desta entidade são em áreas não geridas pelas associadas da Celpa”.
Luís Veiga Martins está optimista: Se os objectivos que vão nortear as decisões do Governo forem os que expôs nesta entrevista e houver “maior envolvimento” dos agentes do sector, assume-se confiante de que “é possível cumprir os objectivos definidos no Pacto Ecológico Europeu”.
Sendo a esperança “a última a morrer”, o director-geral da Celpa está convicto de que, “tão importante como prever estas verbas para as florestas, é desenhar medidas com ligação à realidade do território, do sector e dos seus agentes”.