Mais médicos e horários alargados nos centros de saúde. “É um discurso desfasado da realidade”

O presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar admite a “bondade da ideia” do Parlamento, mas salienta que faltam profissionais e instalações nos centros de saúde capazes de aumentar a resposta.

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Rui Gaudencio

O Parlamento aprovou, no âmbito da discussão do Orçamento de Estado para 2021 nos últimos dias propostas do PCP para o alargamento dos horários dos centros de saúde durante a semana, até às 22 horas, e ao sábado entre as 10h e as 14h e a contratação de mais 935 médicos de família. O presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar admite a “bondade da ideia”, mas diz que “é um equivoco”. “Mesmo que tivéssemos mais tempo, não há condições nas instalações e precisamos de mais pessoas”, afirma Rui Nogueira.

O objectivo do PCP, explica o mesmo na proposta aprovada, é recuperar a consultas presenciais e o acompanhamento dos doentes crónicos. A medida prevê que possam ser pagos incentivos semelhantes aos já previstos para a recuperação de consultas nos hospitais. “Já estávamos nos limites de médicos e outros profissionais. Com a passagem das 40 para as 35 horas passamos a ter menos tempo de enfermagem que não foi reposta, temos médicos de família que se reformaram e do concurso para a colocação de novos médicos, perdemos cerca de 30% que não ficaram no SNS porque não temos condições suficientemente atractivas. Não temos mais secretariado nem auxiliares”, enumera o médico.

“As consultas que ficaram atrasadas têm de ser recuperadas dentro do horário com as devidas equipas. Alargar o horário faz sentido na altura do Inverno quando há gripe e mais infecções respiratórias”, diz Rui Nogueira, que também questiona a exequibilidade da proposta de contratação de 935 médicos de família que terminem a especialidade em Abril e Outubro. A iniciativa do PCP prevê também que o Governo possa, excepcionalmente e por um período transitório, contratar médicos estrangeiros enquanto não haja condições para assegurar um médico de família a todos os portugueses.

“Na melhor das hipóteses teremos 600 médicos a terminar o internado no próximo ano. Vamos mudar a forma de contratar? Vamos ter melhores e mais instalações? Alguém pensou no que se pode fazer para cativar profissionais para o SNS? Se não perdermos 200 [novos] médicos no próximo ano já era bom, quanto mais ganhar 300. É um discurso completamente desfasado da realidade”, aponta Rui Nogueira.

Já esta quarta-feira, o Parlamento aprovou a proposta do PCP para investimento nos centros de saúde até um montante de 150 milhões de euros, que deverá ser aplicado na melhoria das instalações. Fica também prevista a instalação de equipamentos de raios X e a contratação de 165 técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica na área da radiologia.

Mais camas de cuidados intensivos

O PCP também viu aprovada a proposta que prevê que até 31 de Março de 2021 serão criadas 409 novas camas de cuidados intensivos, perfazendo um total de 914 camas – o número planeado pela Rede Nacional de Especialidade Hospitalar e de Referenciação em Medicina Intensiva para se chegar no próximo ano. A proposta prevê ainda a contratação de 47 médicos, 626 enfermeiros e 198 assistentes operacionais, mediante celebração de contrato de trabalho em funções públicas. Também uma proposta do PEV para a criação de mais 400 camas de cuidados intensivos foi aprovada.

João Gouveia, coordenador da Rede Nacional de Especialidade Hospitalar e de Referenciação em Medicina Intensiva, explica que não conhece as propostas e por isso não pode pronunciar-se sobre as mesmas. Mas recorda a estratégia criada pela comissão e que foi aprovada pelo Governo e que já previa a criação de mais camas de cuidados intensivos até ao final do primeiro trimestre. “Foram aprovados projectos nas zonas com maior necessidade e com maior efectividade de serem realizadas dentro deste tempo e que aumentassem a capacidade de resposta”, lembra ao PÚBLICO.

O especialista salientou ainda que estes planos foram acompanhados de uma proposta de recursos humanos, que passavam pela “contratação de mais 94 médicos – o primeiro concurso de 48 profissionais está quase encerrado – e mais 350 vagas para a contratação de enfermeiros para essas camas serem disponibilizadas”. “Não sei onde e quais serão as camas a que se referem as propostas, mas tudo o que apoie o desenvolvimento da medicina intensiva é uma atitude a louvar”, diz João Gouveia, salientando que mesmo com a proposta da comissão o país ainda fica abaixo da média europeia em camas de cuidados intensivos.

Mas salienta que qualquer iniciativa “tem de ser acompanhada por um plano de recursos humanos que tenha em conta as idades dos profissionais, da reforma, que estes são serviços que trabalham 24 horas por dia, 365 dias por ano”. A medicina intensiva é uma especialidade recente e os primeiros internos terminam a formação no próximo ano. Permanece a possibilidade, que tem sido usada nos concursos das Administrações Regionais de Saúde, de médicos de determinadas especialidades fazerem uma formação de 24 a 36 meses nesta área, dando-lhes a especialidade de medicina intensiva.

Ainda dentro da área hospitalar, mais uma proposta do PCP foi aprovada esta quarta-feira. A criação de incentivos semelhantes aos que já existem para a contratação de médicos para zonas carenciadas serem dados aos médicos internos que preencham vagas preferenciais, “caso iniciem o exercício profissional como médicos especialistas no estabelecimento de saúde que deu origem à vaga preferencial”.

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