Agentes culturais exigem medidas de compensação ao Governo

Associações e sindicato do sector acusam o executivo de António Costa de deixar o sector ao abandono, tornando virtualmente impossível a apresentação de espectáculos sem que haja um reforço dos apoios pelas perdas daí resultantes.

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Sandra Faria, da APEFE, insta o Governo a assumir se é sua intenção "acabar com a Cultura" Rui Gaudêncio

A Associação de Promotores de Espectáculos, Festivais e Eventos (APEFE) tem dificuldade em compreender as medidas restritivas anunciadas no sábado pelo primeiro-ministro, António Costa, para a contenção da pandemia, e exige investimento no sector.

“É mais uma medida que não conseguimos compreender. Se temos os membros do Governo e o próprio primeiro-ministro a dizer que ir a um espectáculo é seguro, por que é que fazem essas restrições aos fins-de-semana, que é quando as pessoas podem ir a salas de espectáculos?”, questionou Sandra Faria, da APEFE, em declarações à Lusa, numa referência ao recolher obrigatório e às limitações de circulação em vigor no estado de emergência.

A APEFE promoveu no sábado de manhã, no Campo Pequeno, em Lisboa, um protesto que alertou para a situação “trágica” vivida no sector.

“Não nos deixam trabalhar, então têm de nos apoiar, que não é apoiar, é investirem em nós. Nós não queremos subsídios, não queremos apoios, queremos que invistam na Cultura, e não está a acontecer”, afirmou Sandra Faria à Lusa. “Como é que vem uma ‘bazuca económica’ da Europa e não há uma percentagem nem uma alínea para a Cultura? É impensável”, considerou a representante da APEFE, pedindo ao Governo que “assuma”, caso queira “acabar com a Cultura”.

“A Cultura não tem takeaway, não podemos ir a casa das pessoas fazer espectáculos”, disse, aludindo à situação dos restaurantes, que, apesar de terem de estar encerrados, podem fazer entregas de refeições ao domicílio.

Sandra Faria referiu ainda a “trapalhice” do Governo, que começou por divulgar uma versão incorrecta do decreto na qual a frequência de espaços e eventos culturais era permitida mesmo nos períodos de recolher obrigatório em concelhos de risco muito elevado ou extremo, induzindo os agentes culturais em erro. “Há uma dificuldade enorme em passar a informação. Nem nós, nem os públicos, nem ninguém, percebe nada das medidas”, afirmou.

O Governo rectificou na segunda-feira o artigo em causa, para retirar as deslocações a eventos ou equipamentos culturais da lista de excepções à proibição de circulação nos períodos de recolher obrigatório ao fim-de-semana e nos feriados de 1 e 8 de Dezembro. A novidade em relação aos espectáculos é que deixam agora de servir como justificação para circular entre concelhos.

"Pobreza extrema"

Face ao anúncio do primeiro-ministro, também o Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos, do Audiovisual e dos Músicos (Cena-STE) disse à Lusa que as novas medidas pioram a situação dos artistas, que já é de “pobreza extrema”.

A resposta às novas medidas decretadas pelo Governo resultou sobretudo em cancelamentos ou ajustamentos de horários, revelando-se “o cabo dos trabalhos”, para estruturas que já levam três semanas a refazer calendários e programação.

Para o coordenador do Cena-STE, Rui Galveias, o facto de os espectáculos culturais não estarem abrangidos pelas excepções em vigor “piora um bocado a situação dos artistas”, perante o “problema de fundo”, que “é estrutural”.

Rui Galveias recorda que os trabalhadores do sector, na sua maioria, se encontram em situação informal ou a recibos verdes, “e continuam sem os apoios essenciais que o Cena tem vindo a reclamar desde Abril último”.

A discussão do estatuto do artista, em curso com a tutela, “é importante”, mas é uma “questão de futuro” e não resolve os “problemas gravíssimos” que existem no presente, frisou.

O Cena-STE reclama ainda o pagamento das dívidas aos artistas no âmbito das medidas para minimizar o impacto da covid-19 no sector da Cultura, razão pela qual se reunirá na quarta-feira com a tutela.

Milhares de pessoas em causa

Também a Plateia –​ Associação de Profissionais das Artes Cénicas reclama medidas do Governo para compensar o impacto, no sector da cultura e nos seus profissionais, das restrições impostas pelo estado de emergência.

“Entrámos no segundo estado de emergência desta segunda vaga da pandemia e ainda não foram apresentadas quaisquer medidas para proteger as actividades culturais e os seus milhares de trabalhadores”, lê-se num comunicado da Plateia. “Cada dia que passa sem serem implementadas medidas de emergência contribui para aumentar a já tão grave precariedade dos trabalhadores e do tecido artístico e cultural do país.”

“Se o Governo avança com novas medidas (...) achamos incompreensível que se ignore por completo as enormes consequências nas vidas de pessoas e estruturas. A retoma deste sector é uma ficção que o Governo alimenta para se escusar de aplicar medidas que de facto garantam a sobrevivência de estruturas e trabalhadores”, prossegue a Plateia.

A associação recorda o “enorme sentido de responsabilidade, compromisso e capacidade de adaptação” que o sector da cultura e as artes performativas, em particular, têm demonstrado: “Reduzimos as lotações, activámos planos de contingência, adquirimos material de protecção e desinfecção, alterámos métodos de trabalho, adaptámos obras artísticas, mudámos horários de apresentação, desenvolvemos campanhas de promoção e divulgação da segurança do sector cultural”.

“O anúncio de novas medidas de contingência ignora a realidade de milhares de pessoas e não apresenta qualquer solução para um sector” que tem assegurado “o cumprimento de um serviço público absolutamente fundamental  a participação, promoção, difusão e fruição artística e cultural”, acrescenta a Plateia.

“Neste momento é fundamental que o Governo assuma, de uma vez por todas, que as medidas de contingência não permitem o funcionamento normal das actividades culturais. Desde logo, as restrições de circulação e o recolher obrigatório tornam impossível a realização de actividades com a presença de público  elemento essencial para o exercício de um trabalho ao vivo”, afirma a associação.

A Plateia recorda ainda que no sector o teletrabalho não se aplica, e que o decreto-lei que permitia o pagamento das actividades culturais canceladas e adiadas devido à pandemia “já não se encontra em vigor desde Setembro”. As actividades canceladas “com a entrada do novo estado de emergência não têm como ser pagas no actual enquadramento legal”, conclui.

“Neste sector trabalham milhares de pessoas pertencentes a grupos de risco que não têm acesso a qualquer protecção social e por isso ficam sem qualquer rendimento se pararem de trabalhar. Para estas pessoas, não há qualquer medida de protecção apontada pelo Governo”, sublinha a Plateia.