Governo regulamenta prémio para profissionais do SNS mas deixa de fora quem está agora na covid-19

O prémio previsto no Orçamento Suplementar deveria ter sido regulamentado até 24 de Agosto, mas só no último sábado foi aprovado em Conselho de Ministros. Sindicatos contestam “critérios limitativos” e lamentam que não seja atribuído a todos os profissionais.

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Paulo Pimenta

Sindicatos de enfermeiros e médicos são unânimes: a atribuição de prémios de desempenho aos profissionais de saúde do SNS que estiveram no combate à pandemia na primeira fase vai criar desigualdades e o número abrangido é reduzido. O prémio deveria ter sido regulamentado até 24 de Agosto, mas só no último sábado foi aprovado em Conselho de Ministros. Será, por isso, atribuído numa fase da pandemia com muitos mais casos positivos do que em Março e profissionais envolvidos e não há indicação que estes venham a ser premiados.

O prémio foi aprovado, por unanimidade, na Assembleia da República aquando da discussão do Orçamento Suplementar. Ficou definido que seria atribuído a todos os profissionais do SNS que, durante o estado de emergência de 18 de Março, e suas renovações, exercessem actos directamente relacionados com covid-19. Consiste na atribuição de 50 % da remuneração base mensal do trabalhador, pago uma só vez, de um dia de férias por cada período de 48 horas de trabalho suplementar realizado naquele período e um dia de férias por cada período de 80 horas de trabalho normal. O Governo tinha 30 dias para fazer a regulamentação.

No site, o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses fez um resumo da reunião da semana passada com o secretário de Estado e Adjunto da Saúde: o “que está em discussão é ‘premiar o desempenho’ durante o primeiro período em que vigorou o estado de emergência – 19 de Março a 2 de Maio (45 dias) e não a adopção de medidas para atenuar a insatisfação dos profissionais”. “Só vão receber o prémio quem daqueles 45 dias esteve, pelo menos, 30 dias a trabalhar de forma directa com doentes com covid-19 infectados ou suspeitos em enfermarias, cuidados intensivos e áreas dedicadas a testes à covid-19, profissionais de saúde pública e do INEM envolvidos no transporte de covid”, diz Guadalupe Simões.

“Atribuir o prémio só aos profissionais que estiveram em áreas dedicadas à covid-19 significa muito poucas pessoas. Um dos critérios é atribuir o prémio aos profissionais que trabalharam nas instituições de primeira e segunda linha durante aquele estado de emergência. Os doentes espalharam-se por todos os hospitais”, salienta, acrescentando que na audição “não aceitaram propostas”. “Sobre a perspectiva de vir a abranger mais pessoas foram muito taxativos. Não irá abranger os 170 mil profissionais de saúde”, lamenta, salientando que todos estiveram envolvidos na resposta do SNS.

Lúcia Leite, presidente da Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros, também fala de “critérios limitativos” que deixam de fora enfermeiros que trabalharam, por exemplo, com grávidas em ginecologia enquanto se aguardavam testes por serem casos suspeitos. Coloca ainda a questão sobre “a forma como as horas extraordinárias para atribuição de dias de férias vai ser contabilizada”, lembrando que há instituições que colocam esse trabalho “em bolsa de horas”.

É também o desfasamento temporal na atribuição do prémio que a preocupa. “O prémio foi aprovado durante a primeira vaga. Hoje a situação é de maior gravidade, o número de enfermeiros em áreas covid-19 e intermédias é muito maior. O prémio vem fora de tempo e não abrange todos os profissionais. Atribuir o prémio só à primeira vaga é um presente envenenado e a forma como o está a gerir, mais envenenado vai ser”, considera Lúcia Leite.

"Vai criar instabilidade"

Para Noel Carrilho, presidente da Federação Nacional dos Médicos, “a compensação deveria ser para todos” os profissionais. “O SNS é uno e todos trabalharam com o objectivo de responder à pandemia, levando a que uns trabalhassem na retaguarda para outros poderem estar na linha da frente”. E lamenta que “para a limitação de direitos como férias, assistência à descendência, realização de horas extraordinárias o universo seja muito mais alargado do que para a atribuição de uma compensação”.

“Só a partir de cada período de 80 horas é que é atribuído um dia de férias. Muitos médicos trabalharam em áreas covid-19 e podem ter 70 horas. Não vão receber. Vai ser um número marginal a receber os prémios para o universo do SNS”, afirma o médico, referindo que querem “negociar um suplemento de penosidade”. “Mas para o Governo não é o tempo, como não é para muita coisa.” No Orçamento de Estado para 2021, o Governo apresentou uma proposta de criação de um subsídio de risco para profissionais de SNS na linha da frente de combate à pandemia no máximo de 219 euros.

Jorge Roque da Cunha, do Sindicato Independentemente dos Médicos, afirma que “tão importantes como os que estiveram na linha frente, são aqueles que garantem os cuidados aos seus doentes”. “Lamentamos que esse valor [do prémio] seja sujeito a impostos e que o Governo faça propaganda com o prémio em vez de estar mais preocupado com fixar médicos no SNS. Vai criar instabilidade e fazer com que a desmotivação aumente. Achamos que devia haver investimento nas carreiras médicas, dos enfermeiros, dos técnicos de diagnóstico no sentido de criar uma discriminação semelhante à que foi criada para os juízes”, aponta.

O PÚBLICO questionou o Ministério da Saúde sobre qual o universo de profissionais abrangidos pelo prémio, quando é que será pago e se considera criar um prémio semelhante a atribuir aos profissionais envolvidos nesta segunda vaga. “O diploma foi aprovado em reunião de Conselho de Ministros e está a seguir os canais próprios do processo legislativo”, disse o ministério, escusando-se a fazer mais comentários.

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