O reino da confusão jurídica de emergência
Se este entendimento fizer escola, os processos-crime por desobediência às proibições do estado de emergência não terão servido para nada, excepto para desgastar o prestígio do PR, da AR, do Governo e das forças e serviços de segurança.
O amadorismo (também jurídico) de que falava no artigo da passada semana ficou particularmente exposto com o acórdão de 9/11/2020 da Relação de Guimarães. Um conjunto de cidadãos veio a Portugal, oriundos da Bélgica, tendo entrado em pleno estado de emergência. Na altura, por determinação da autoridade de saúde, deviam cumprir 14 dias de confinamento, de que foram notificados, bem como de que se o não cumprissem incorriam em crime de desobediência. Certo é que foram depois fiscalizados na rua, em incumprimento, pelo que foram condenados. Inconformado, um arguido recorreu e a Relação deu-lhe razão. Fê-lo baseada nos seguintes argumentos: os crimes só podem ser criados por lei da AR ou por decreto-lei autorizado, o que não acontecera, pois, apesar de o decreto do Governo que regulamentou o estado de emergência prever que em hipóteses destas se cometia esse delito, tal não constava de nenhuma lei; por outro lado, o isolamento de 14 dias levantava dúvidas responsáveis por que a Provedora de Justiça recomendasse à DGS que o revogasse, o que viria a acontecer depois. Por fim, a lei do estado de sítio e de emergência (Lei n.º 44/86, de 30/9), no seu art. 7.º, não serve de cobertura a este crime ("[a] violação do disposto na declaração do estado de sítio ou do estado de emergência ou na presente lei, nomeadamente quanto à execução daquela, faz incorrer os respectivos autores em crime de desobediência").
O contributo do PÚBLICO para a vida democrática e cívica do país reside na força da relação que estabelece com os seus leitores.Para continuar a ler este artigo assine o PÚBLICO.Ligue - nos através do 808 200 095 ou envie-nos um email para assinaturas.online@publico.pt.