O Orçamento de novo entre o rigor e o populismo

A mitologia em torno da ideia de que as contas dos Estados dependem apenas da vontade de quem os governa explica boa parte da história que condenou Portugal a vegetar na mediocridade económica.

A avalanche de más notícias sobre a pandemia, a catadupa de inconsistências do Governo ou o sobressalto político causado pela porta aberta ao Chega! no governo dos Açores estão a desviar as atenções de um momento que vai definir muito do que será o futuro próximo do país: a aprovação do Orçamento. É bom que prestemos atenção. No palco do Orçamento joga-se muito mais do que números ou ideias contra a crise: joga-se o risco da turbulência política causada pelo desgaste da base parlamentar que sustenta o Governo; joga-se a dimensão de uma dívida já de si descomunal; e joga-se também na energia e confiança que sobrar de uma população exausta com meses de pandemia. 

O grande combate sobre o Orçamento começou a travar-se nas negociações que culminaram na sua aprovação na generalidade. Sustenta-se na velha discussão entre a vontade e o realismo, entre o desejo e a razão, entre o rigor e o populismo demagógico. Discutir se o país deve gastar sem travão ou se deve gastar apenas o que pode para actuar “nas franjas” do problema, como pediu o governador do Banco de Portugal e recomenda a Comissão Europeia, não põe à prova apenas legítimas ideias sobre política, implica também a revisitação do passado recente e as lições que dele obtivemos.

É por isso que vemos Mariana Mortágua a criticar “a mesmíssima matriz ideológica que sustentou as políticas de austeridade e as ‘reformas estruturais’”. Para a esquerda mais radical, os negócios públicos são fáceis e simples. A mitologia em torno da ideia de que as contas dos Estados dependem apenas da vontade e desejo de quem os governa explica boa parte da história que condenou Portugal a vegetar na mediocridade económica.

O Governo fez a sua opção: Portugal está entre os Estados que menos gastam no combate à pandemia e o que gasta tem sempre um limite temporal. A escolha tem custos: o dinheiro não chega para suprir todas as carências nem para colmatar todas as dificuldades. Com a opção do Bloco, ou do PCP, haveria dinheiro a rodos para pagar todas as perdas e calar todas as reivindicações, mas dentro de um ano Portugal arriscava-se de novo a enfrentar o espectro de uma crise de pagamentos.

Como em quase tudo na política, a virtude está sempre algures entre os extremos. Se acreditar que há meios para responder a todos os problemas é um delírio demagógico, segurar as “franjas” dos que se arriscam a sofrer e perder mais com a crise é um dever. O que falta discutir, votar e ceder no Orçamento vai-nos dizer muito sobre os vícios velhos e as novas bases em que o país se poderá reerguer.

  

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