Bruxelas: pandemia agravou o desequilíbrio macroeconómico de Portugal
Portugal, como outros 11 Estados-membros onde se verificam “desequilíbrios excessivos”, vai ser objecto de uma avaliação aprofundada por parte dos serviços da Comissão
As medidas extraordinárias de combate à pandemia do novo coronavírus agravaram os desequilíbrios macroeconómicos em vários países da União Europeia, incluindo Portugal, alertou, esta quarta-feira, a Comissão Europeia, que voltou a recomendar “prudência” na gestão da crise para não comprometer a sustentabilidade das finanças públicas.
Como um dos doze países da União Europeia onde se verificam “desequilíbrios excessivos”, Portugal vai ser objecto de uma avaliação aprofundada por parte dos serviços da Comissão, para “identificar e aferir” a severidade do impacto das medidas lançadas em resposta à situação de pandemia nas contas públicas, anunciou a Comissão na apresentação do pacote de Outono do Semestre Europeu.
Esse relatório será divulgado em Abril de 2021, mas o executivo comunitário já detectou algumas tendências: o esforço de consolidação orçamental que estava em curso estancou e a trajectória de correcção inverteu-se, com uma subida acentuada do nível do endividamento público e privado. Além disso, a resposta à crise veio aprofundar a divergência entre os diferentes Estados-membros.
“A crise veio exacerbar alguns dos desafios existentes e está a criar novos riscos. É uma situação que reforça a necessidade de fazer o melhor uso possível das medidas de apoio disponibilizadas pela União Europeia, assegurando que o investimento e as reformas previstas na zona euro permitam corrigir os desequilíbrios”, escreve a Comissão.
Portugal dentro das recomendações
No caso específico de Portugal, o executivo comunitário aponta como “principal desafio” a resposta às consequências negativas da pandemia, “em termos humanos e económicos”. Bruxelas nota que a maior parte das medidas assumidas pelo Governo com impacto orçamental têm um carácter temporário, o que vai de encontro às recomendações emitidas em Julho.
Aliás, Portugal destaca-se mesmo como um dos países que melhor acatou a recomendação, para concentrar a acção em medidas extraordinárias e de emergência de curto prazo, como por exemplo o reforço de verbas no sector da saúde ou os apoios à manutenção do emprego.
Os serviços consideram que a resposta nacional tem conseguido “amparar” o golpe causado pela pandemia, e que o país tem feito uma “gestão activa da dívida” que lhe tem permitido manter os custos dos juros reduzidos.
Mas nas conclusões de mais uma missão de monitorização pós-programa de assistência financeira, aponta o baixo nível de investimento e de produtividade do país como um possível entrave à recuperação da crise. Por isso, Bruxelas aconselha que seja dada uma maior atenção às medidas de promoção e apoio à actividade económica no médio prazo.
O relatório aprofundado sobre a situação macroeconómica portuguesa vai ser apresentado ao mesmo tempo que a avaliação da Comissão ao plano nacional de Recuperação e Resiliência, ao abrigo do qual o país poderá receber até 14 mil milhões de euros a fundo perdido para reformas e investimentos. Esse documento substituirá, no próximo ano, a habitual apreciação feita por Bruxelas ao programa de estabilidade, e as recomendações específicas por país emitidas no âmbito do Semestre Europeu.
Na conferência de imprensa de apresentação do pacote de política económica do Outono, o vice-presidente executivo da Comissão, Valdis Dombrovskis, e o responsável pela pasta da Economia, Paolo Gentiloni, pediram aos Estados-membros para seguir as orientações estratégicas e as prioridades da transição ecológica e digital da União Europeia nos respectivos planos nacionais.
“Encorajo todos os Estados-membros a definirem programas ambiciosos. Para que a Europa volte a ser uma força competitiva na cena mundial, precisamos de medidas de apoio orçamental adaptadas e temporárias, bem como de reformas e investimentos bem escolhidos que nos conduzam a uma recuperação justa, inclusiva e sustentável”, afirmou Dombrovskis, que deixou ainda um forte apelo à responsabilidade politica dos líderes europeus para aprovar rapidamente o regulamento do futuro Mecanismo de Recuperação e Resiliência que descreveu como “uma âncora financeira ao longo desta tempestade”.
Com a activação da cláusula de derrogação do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), que continuará suspenso ao longo do próximo ano, a Comissão deixou de avaliar o valor do défice (que segundo as regras não pode ultrapassar os 3% do Produto Interno Bruto) e o nível do endividamento (que se recomenda não ultrapasse os 60% do PIB).
O peso da dívida
Em todos os países da UE verificou-se uma subida da dívida pública, justificada com a urgência do combate à covid-19, mas também explicada pelo efeito da queda do PIB. Isso quer dizer que este aumento poderá ser parcialmente corrigido no próximo ano, se as previsões de crescimento económico se concretizarem.
Mas Bruxelas não exclui que os países que antes da crise já apresentavam níveis preocupantes de endividamento, como Portugal, tenham de fazer um novo esforço de ajustamento para estabilizar os seus exercícios orçamentais a médio prazo.
“Tendo em conta o nível da dívida pública, e os importantes desafios de sustentabilidade a médio prazo já antes do surto da pandemia de covid-19, é importante garantir que as medidas orçamentais de apoio adoptadas preservem a sustentabilidade orçamental a médio prazo”, recomenda a Comissão, no seu parecer sobre o projecto de plano orçamental para 2021 enviado por Lisboa.
Um aviso que não seguiu só para Portugal: países como a Espanha, França e Itália devem ser especialmente cautelosos na sua política, para não comprometer os termos do seu financiamento e a sua capacidade de serviço da dívida.
De resto, Paris e Roma (e ainda Bratislava e Vilnius) receberam um aviso adicional, uma vez que os seus planos orçamentais incluem várias medidas que “não parecem ser temporárias ou estarem acompanhadas de medidas de compensação” e podem ter um reflexo negativo em termos macroeconómicos.
Só que ao mesmo tempo que alerta para a necessidade de garantir a sustentabilidade das contas públicas, a Comissão nota que as circunstâncias actuais ainda obrigam os países a operar num quadro de emergência, e que não estão reunidas as condições para retirar as medidas extraordinárias ou voltar a aplicar as regras de disciplina orçamental do PEC.