Directora do SEF admite “tortura” mas nunca contactou a viúva do cidadão ucraniano morto

Numa entrevista à RTP, Cristina Gatões diz que Ihor Homenyuk foi vítima de “uma situação de tortura evidente” e não sabe explicar por que tantas pessoas no SEF encobriram os factos.

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MIGUEL A. LOPES/Lusa

Na sua primeira entrevista desde a morte de Ihor Homenyuk e a acusação pelo Ministério Público de três inspectores pelo homicídio qualificado deste cidadão ucraniano nas instalações do SEF no Aeroporto de Lisboa, a directora-nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF)​ ​invoca o facto de o processo ainda estar em julgamento para justificar ter não contactado a viúva e os filhos.

O ucraniano de 40 anos, casado e pai de uma menina de 14 anos e de um rapaz de nove​, morreu no dia 12 de Março depois de alegadamente espancado e imobilizado ao longo de mais de 15 horas numa pequena sala onde ficou detido no Centro de Instalação Temporária (CIT) do SEF, à chegada a Portugal no dia 10.

Pelo mesmo motivo de ainda estar a decorrer o processo judicial, Cristina Gatões, que dirige o SEF desde Janeiro 2019, nunca falou com estes três inspectores indiciados, não os conhece e não tenciona falar. Os três acusados aguardam julgamento em prisão domiciliária

“Não quero falar com eles”, disse nesta entrevista à RTP. “Não quer saber as explicações para um caso destes?” pergunta a jornalista Cândida Pinto. “Quero saber, mas primeiro quero que lhes seja assegurada a possibilidade de serem assegurados tudo o que são direitos enquanto arguidos.” Nenhum deles prestou qualquer depoimento durante a investigação. 

Na altura, a responsável máxima do SEF, sob a tutela do Ministério da Administração Interna (MAI), foi informada da morte de Ihor Homenyuk mas não das verdadeiras causas. “O que eu soube foi aquilo que me foi comunicado, que tinha havido uma morte de um cidadão estrangeiro no CIT na sequência de uma paragem cardiorrespiratória e na sequência de uma crise convulsiva”, recorda à RTP.

"Tortura evidente"

A partir da “descrição hedionda, medonha, inqualificável” contida “nos relatórios periciais”, Cristina Gatões não tem dúvidas de que o que se passou há oito meses naquela pequena sala do CIT, agora transformada em quarto para isolamento devido à covid-19, foi “uma situação de tortura evidente”. 

“Aquilo nunca pode voltar a acontecer”, afirmou. “O que fizemos foi avaliar tudo o que era segurança aqui e criámos um novo regulamento que impõe muito mais regras, maior controlo por parte das pessoas que têm que garantir a assistência a estes cidadãos estrangeiros.”

Agora que a Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) instaurou processos disciplinares a 12 pessoas do SEF, que acusa de “negligência e negação na prestação de auxílio”, a directora do SEF diz que não sabe explicar por que tantas pessoas no SEF encobriram estes factos – são inspectores, seguranças e um enfermeiro. 

Apenas diz que “toda a gente sabe que a acontecer o que aconteceu jamais haveria qualquer acção por parte da direcção nacional que não fosse de condenação severíssima e intransigente”. 

A entrevista foi transmitida neste domingo dia 15 de Novembro, pouco mais de uma semana após o Diário de Notícias ter dado como certo, embora oficiosamente, que o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, preparava a substituição da directora nacional do SEF. Cristina Gatões estará a ser fortemente criticada pelo silêncio e a forma como tem tratado o homicídio de Ihor Homenyuk, segundo este jornal. 

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