Num sábado que prometia chuva e restrições, os portuenses saíram à rua em contra-relógio
O primeiro dia com as novas restrições de circulação ao fim-de-semana deu-se sem grandes ajuntamentos da parte da manhã, quer na corrida ao comércio local, quer às grandes superfícies do Porto.
Na cidade do Porto a manhã começou serena nos acessos a grandes superfícies comerciais e supermercados. A movimentação viu-se, sim, um pouco pela Baixa, e em especial na Rua de Santa Catarina, como já é costume. As opiniões parecem divergir entre os portuenses: há quem concorde com as novas restrições ao fim-de-semana, e há quem acredite em ajuntamentos matinais consequentes delas. A verdade é que, pelas ruas mais comercias do Porto, a afluência não foi maior do que o habitual para um sábado de manhã. Aliás, em alguns casos foi até menor. Embora tenha havido pequenas resistências depois da hora, por volta das 14h surgiu um factor natural dissuasor de quaisquer passeios contra o recolher obrigatório: começou a chover.
Pelas 9h30, o ambiente na zona residencial do Hospital de São João é de tranquilidade: são poucos os carros que se vêm passar na Circunvalação e o comércio local serve apenas algumas pessoas. O Continente Bom Dia do Amial, às 10h, não apresenta grandes sinais de concentração — ao contrário do que se poderia esperar num sábado em que as lojas e serviços só estão abertos até às 13h.
No NorteShopping, em Matosinhos, o cenário é semelhante. Os corredores preenchem-se com pessoas motivadas pelas compras de última hora, mas são poucas as montras tapadas por filas. À porta de uma popular marca de roupa de baixo preço, vários funcionários e seguranças desinfectam os clientes à entrada. Mais à frente, dois funcionários observam o centro comercial à porta da loja, que estava sem clientes. Lucas Neto, de 20 anos, e Ana Silva, de 32, testemunham um sábado “mais calmo do que o normal” e questionam o sentido do centro comercial estar aberto. “Um shopping é onde se concentram todas as pessoas ao fim-de-semana e fazia mais sentido estar o comércio local aberto”, aponta Ana.
Filomena Moura, de 53 anos, veio ao NorteShopping cedo para comprar um casaco à filha, já que durante a semana não o consegue fazer. “À hora de abertura já costuma haver aí filas intermináveis para entrarem no shopping” e nesta manhã isso não aconteceu, ressalva. Filomena considera que as novas restrições de fim-de-semana “pecam por tardias”, embora acredite que criem “alguma concentração, como já se viu à porta de supermercados de rua”.
Ao lado, no Continente, vê-se algum movimento apressado. O supermercado fecha mesmo às 13h e parece não haver consenso entre os clientes: para alguns é dia de maior confusão, fruto das novas medidas; para outros, verifica-se menor afluência devido às restrições. Mário Oliveira, de 38 anos, empurra um carrinho com “umas compras de última hora para o almoço e jantar” e nota “um bocadinho mais de pessoas do que o normal”. “É isto que acontece: fecham à tarde, as pessoas vêm de manhã e acumulam-se mais. Em certa parte ainda piorou, em vez de melhorar”, defende. Lá fora, Ana Valente, de 52, conta que a sua impressora avariou e para não comprometer o trabalho teve de vir comprar uma nova “de urgência”. Esperava encontrar filas, mas deparou-se com um ambiente “demasiado calmo num sábado de manhã, sendo que vão fechar à tarde”. Por sua vez, considera que as medidas “são pouco convincentes” e até “estranhas”, por não se aplicarem de igual forma a todos os estabelecimentos.
À medida que a manhã se alonga, o centro da Invicta vai-se avivando. À praça D. João I chegam algumas pessoas com sacos de compras — vêm da Rua de Santa Catarina, uma das mais comerciais da cidade do Porto. Já se vê algum trânsito na Rua Sá da Bandeira, em direcção à Avenida dos Aliados, mas a Praça da Liberdade permanece despida de decorações e pessoas. Este ano não há baloiços nem árvore de Natal. A baixa do Porto, das Galerias de Paris a Cedofeita, passando pela Praça Carlos Alberto, é um dos destinos predilectos para os passeios de fim-de-semana. Com os bares fechados, a Rua das Galerias de Paris permanece praticamente vazia há já uns meses, mas, umas ruas ao lado, encontram-se filas à porta de dois espaços conhecidos pelas suas panquecas. Junto a um deles, uma família, que reservou mesa de antemão, aguarda cá fora. As medidas “dificultaram o almoço”, criticam.
Margarida Barbosa, de 60 anos, veio apenas levantar as “hortaliças e frutas que tinha deixado guardadas na frutaria”, em Cedofeita, e garante que se sente segura com o habitual movimento da rua, que se tornou pedonal aos fins-de-semana. Já a Praça dos Leões e a Rua das Carmelitas não mostram grandes sinais de um sábado característico. Na fila da emblemática Livraria Lello, que se costuma estender pela rua abaixo, contam-se apenas quatro pessoas.
Também a Rua das Flores vive do turismo e, neste sábado, é um grande exemplo da componente arbitrária das novas medidas. Muitos comerciantes escolheram fechar as suas portas, há hoje mais gradeamentos do que montras. A Ourivesaria Coutinho decidiu abrir, mas ainda não viu entrar o seu primeiro cliente do dia, e falta uma hora para terem de fechar. O funcionário, Amilton Coelho, de 77 anos, aguarda algum movimento à porta da loja. “De vez em quando passa uma pessoa na rua”, observa. Reconhece a necessidade das medidas, mas aponta que “os comerciantes é que sofrem com isto”.
Na estação de São Bento ainda se avisam alguns comboios, até da parte da tarde. Chega um comboio urbano de Guimarães que entrega algumas pessoas à Invicta. De regresso a casa ou para passeio não se sabe, mas é certo que quando se chega à Rua de Santa Catarina encontra-se a azáfama habitual. Há gente na rua? Sim, mas não mais do que o normal.“Não acho que tenha muita gente, acho que está muito bem”, assegura Virgínia Pinto, 59 anos, que veio “fazer umas trocas”.
Aqui já se pressente a época natalícia – no cruzamento com a Rua de Passos Manuel os sinos já tocam. “Já só tenho uma hora para ir ali à loja”, exclama Clara Silva, de 26 anos, apressada. Veio “para não ficar fechada em casa”, mas preocupa-se com regressar a tempo — não são compras urgentes, conta, e se tiver de ser podem esperar. Clara diz compreender a revolta dos comerciantes e da restauração, “como o caos que se viu ontem” na manifestação na Avenida dos Aliados. “O português tem sempre maneira de encontrar falhas”, critica. Por isso, espera “ver as desculpas das pessoas” para estarem na rua depois da 13h.
No Bolhão forma-se a fila nas paragens de autocarro, como é costume. Fernando Pereira, de 59 anos, está à espera de um autocarro para chegar a casa antes da 13h. Tem uma garrafeira no mercado temporário do Bolhão e decidiu fechá-la uma hora mais cedo. “As pessoas hoje estão a procurar mais de manhã”, conta, garantido que teve mais clientes do que o normal. Concorda com as medidas, apesar de “prejudicarem muita gente": “Tem de ser porque isto está a piorar”.
Umas mais apressadas, outras descontraídas, as pessoas vão abandonando Santa Catarina, mas a cinco minutos das 13h ainda se vê alguma persistência na rua. A resposta dos portuenses ao recolher obrigatório mostra-se tão instável como a meteorologia: ameaçou chuva a manhã toda, mas ainda raiou sol. Meia hora depois de as lojas fecharem, são poucas as pessoas que percorrem a rua e a maioria dos trabalhadores estão de regresso a casa. Aproximam-se as 14h e ainda há quem atravesse a rua de Santa Catarina. Em frente ao shopping ViaCatarina, uma artista de rua resiste sem audiência. Entretanto, a chuva que tanto se previa caiu finalmente sobre os passeios quase desertos da cidade do Porto.