A travessia enquanto sonho que muitas vezes falha
Falar de fronteira quando se fala dos Estados Unidos é entrar numa zona trágica e gloriosa, de derrota e de conquista. Pessoal e geográfica. É uma linha simbólica no caminho do sonho que deixa muita gente à margem.
Sair de comboio da grande cidade, atravessar campos algodão, campos de milho, terras geladas ou gretadas pelo sol, passar por zonas industriais anunciadas a quilómetros por chaminés fumegantes, ir por marginais de oceano quase nunca revolto e areias pouco dourados onde há sempre alguém a passear um cão ou a correr. Seguir, veloz, pela paisagem em linha recta, ao lado de corpos parados, sentados, dormentes a cabecear ao ritmo de uma toada que já não é a da antiga pouca-terra, cruzar rios, o East, o Hudson, o Dellaware, entrar noutras cidades pelas suas traseiras, e ver o que não se vê das ruas principais, sofás rotos à porta de alpendres quase a desabar, um vaso grande de flores vermelhas – parecem sardinheiras gigantes –, um homem a fumar um cigarro encostado a um poste. Talvez esperasse boleia. Há stands de carros usados, casinhotos, duas crianças de bicicleta tentam competir com a velocidade do comboio e desistem, a rir. Por fim, a estação, mais uma de onde parte mais gente que irá ver as traseiras da América, o invisível da América, até chegar a um destino diferente do de cada um que segue ao lado. Numa dessas estações, uma das maiores, em Nova Iorque, uma mulher viveu durante quatro anos dentro dos seus túneis que parecem terras de ninguém, fronteiras entre o lado negro e o mais luminoso dos dias, sem que ninguém soubesse dela. Chamava-se Tina S e tinha 16 anos.
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