Iglesias quer aproveitar que a direita está “fora de jogo” para criar a República espanhola
O vice-presidente do Governo de Pedro Sánchez defende que a crise actual pode ser a oportunidade para uma viragem sem retorno na organização do Estado em Espanha, porque o modelo da monarquia pós-franquista está esgotado.
Três meses depois de ter nascido, o Podemos elegia cinco deputados nas eleições europeias. Com oito meses de vida, liderava sondagens nacionais e provocava, nas palavras do jornal El País, “um sismo sem precedentes na política espanhola”, capaz “de rebentar com o tabuleiro eleitoral” herdado da Transição. O partido de Pablo Iglesias nunca ganhou eleições, mas chegou ao Governo só com seis anos de existência. Numa entrevista à revista Jacobin, o agora vice-presidente do país onde o chefe de Estado é o rei fala sobre o presente e o futuro, um “futuro onde a república pode converter-se no horizonte”.
Parceiro mais pequeno do PSOE na coligação no poder, chefiada por Pedro Sánchez, o líder do agora chamado Unidas Podemos acredita que é preciso olhar para a crise actual com “olhos de historiador”. “Atravessamos um desses momentos de definição em termos de direcção histórica. Porquê? Porque chegou uma crise social e economia como consequência da crise sanitária” provocada pela pandemia.
A actual crise, diz Iglesias, terá “efeitos económicos só comparáveis com situações pós-bélicas”. É uma crise “que se constrói sobre a paisagem da crise financeira de 2008, uma paisagem de enorme degradação”, a mesma que deu origem ao 15M ou Democracia Real, movimento de protesto que juntou centenas de milhares de pessoas em Espanha e inspirou concentrações em cidades da Europa, da América do Sul ou dos Estados Unidos – e que impulsionou o nascimento do Podemos.
Em Espanha, “a quarta economia da zona euro”, com “um desenvolvimento económico muito marcado pela dependência do turismo internacional e pelo desenvolvimento da construção (com as implicações que isso teve para a corrupção), a crise actual representa um gigantesco “desafio económico”, afirma Iglesias. E acontece que a União Europeia, “emendando-se a si mesma, disse ‘acabou-se o paradigma da austeridade, gastem, vai haver dívida, vai haver algo parecido com eurobonds, 70 mil milhões em transferências, outros 70 mil em crédito’”, criando assim a tal oportunidade histórica para os espanhóis.
Sendo que isto se passa quando em Espanha há, “pela primeira vez desde o fim da Guerra Civil, um governo com formação política com o ADN” do Podemos e “uma presença inédita da extrema-direita no Congresso”. Essa extrema-direita, analisa, coloca “fora de jogo” a “direita económica e política”, “o bloco de governabilidade da direita em Espanha, o que muitos poderiam chamar de ‘bloco monárquico’ de governabilidade”. Por isto, e tendo em conta “a crise da monarquia” dos últimos anos, Iglesias vê a direita como estando, “pela primeira vez desde há mais de 80 anos, numa posição muito débil face às estruturas do Estado”.
“Pois claro, considerando tudo isto, podemos entender o nosso presente como um momento em que tudo é possível”, defende Iglesias. Assim, é chegada a altura de “explorar a oportunidade e embarcar numa série de tarefas históricas”, que passam por “avançar na direcção de um novo pacto social e político que melhor se assemelhe à realidade” espanhola, algo que o partido quer fazer com base em “princípios republicanos”.
Uma pergunta eleitoral
E sem que a pergunta lhe tenha sido feita (“o meu chefe de imprensa não te vai deixar fazê-la, faço-a eu”, brincou), Iglesias questiona-se sobre “qual é o espaço de crescimento do Unidas Podemos no futuro” para responder: “A república. A república pode converter-se no horizonte, no ‘significante vazio’ [que quer dizer coisas diferentes para pessoas diferentes; para Ernesto Laclau, que entende o populismo como parte da construção democrática, a base do populismo está na criação de “significantes vazios” que expressem ideias universais de justiça], que sirva para que a defesa dos serviços públicos, a modernização económica, os direitos das mulheres […], identidades de país, plurinacionais, laicas, abertas, cívicas […] se convertam numa pergunta eleitoral”.
Se esse for o futuro, a partir deste momento “em que tudo é possível”, Iglesias não tem dúvidas de que “a força republicana de implantação estatal com mais peso eleitoral e com um discurso já armado” é o Podemos. Quer isto dizer que o partido “era nacional-popular há sete anos e agora é republicano?”, continua Iglesias. “O que isto quer dizer é que a política apresenta cenários onde o talento da direcção política passa por ocupar os espaços que ficam disponíveis”.