Ministra critica o BE e anuncia que novo apoio chegará a 250 mil trabalhadores

Ana Mendes Godinho diz-se perplexa com quem, à esquerda, não está ao lado do PS no orçamento. Novo apoio social aos trabalhadores será ajustado e terá impacto nas contas de 633 milhões.

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Mendes Godinho afirma que as condições do apoio foram definidas “em diálogo” com o Bloco Rui Gaudêncio

A ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, lamenta a divisão da esquerda em relação ao projecto do Orçamento do Estado (OE) para 2021 e, com críticas ao afastamento do Bloco de Esquerda, foi ao Parlamento anunciar que o novo apoio extraordinário à redução da actividade dos trabalhadores independentes, informais e desempregados desprotegidos vai ser ajustado na especialidade para abranger mais cidadãos.

O apoio deverá chegar a um universo potencial de 250 mil trabalhadores no próximo ano, em vez dos 170 mil previstos. E com as alterações em vista, o impacto orçamental passa de 450 milhões de euros para 633 milhões, revelou Mendes Godinho, mesmo no final de uma audição parlamentar onde deixou críticas ao BE mas não afastou as pontes para uma negociação.

O anúncio foi uma jogada de antecipação. Depois de o BE ter anunciado que votará contra a proposta do OE na generalidade — aquela onde ainda está a versão inicial deste apoio —, Ana Mendes Godinho não desiste de fazer um apelo à “mobilização” de toda a esquerda. “Não se compreende que não estejamos todos juntos a conseguir construir este orçamento — que responde ao país”, disse, algum tempo antes de fazer aquele anúncio.

Para a ministra, o momento é “de alguma perplexidade” quando olha para a direita e para a esquerda. Sente-o em relação à direita ao ouvir que o OE é “despesista” e, ao mesmo tempo, que é preciso que se gaste mais em vários domínios sociais. E sente-o em relação à esquerda — uma forma de se dirigir ao Bloco, não ao PCP — depois de ter havido um “trabalho intenso”, “muitas negociações” e “muita evolução”. A ministra deu como exemplo do apoio aos trabalhadores, em que, disse, foram definidas “em diálogo permanente” com o Bloco e “em negociação com os partidos de esquerda”.

O Governo já tinha admitido ajustar o apoio, abrindo a porta a que a versão final não seja aquela que foi apresentada há duas semanas (um tecto máximo de 501,16 euros e limiares mínimos de 50 ou 219 euros, consoante as situações).

Uma das questões que separa o BE do Governo tem que ver com as condições de acesso ao novo apoio, que depende do cumprimento da chamada “condição de recursos”, isto é, a regra segundo a qual um cidadão só acede à prestação se o rendimento mensal do conjunto do agregado familiar não superar um determinado valor (os rendimentos do agregado são divididos pelo número de pessoas desse núcleo familiar, com uma determinada ponderação para cada elemento – o requerente vale 1 ponto nessa divisão, o parceiro vale 0,7 e um filho vale 0,5, por exemplo).

O BE, lembrou a ministra, concordou “desde o início” que este “deveria ser um apoio com condição de recursos”; mas, retorquiu o deputado bloquista José Soeiro, as regras de cálculo é que excluem muitos trabalhadores (o BE pretendia alterar aquela ponderação, para dar mais peso aos outros elementos do agregado familiar, para reduzir o número de trabalhadores excluídos por ultrapassarem o patamar de rendimentos).

Condição de recursos “apertada"

José Soeiro confirmou que houve conversas e disse que a prestação que hoje está no orçamento “resulta precisamente” desse debate, mas, para o Bloco de Esquerda, o problema é que o apoio “tem uma condição de recursos tão apertada que há uma parte importante dos trabalhadores independentes que ficarão de fora” e “há muitos trabalhadores que hoje recebem apoios extraordinários e que não cabem na condição de recursos que o Governo definiu”. Quanto a esse ponto, revelou, “houve muitas horas de debate e não conseguimos chegar a acordo”.

O deputado lembrou que, este ano, os trabalhadores independentes não precisam de reunir a “condição de recursos” para aceder aos apoios da Segurança Social, o que, disse, pode explicar o facto de haver 195 mil pessoas beneficiárias. E, por isso, quis saber qual a percentagem que ficará de fora do futuro apoio pelo facto de se aplicar a condição de recursos tal como está desenhada.

Ana Mendes Godinho disse não ter uma projecção, porque esses 195 mil correspondiam ao universo inicial, “num contexto completamente diferente”, e hoje já são menos os que recorrem à Segurança Social. Por exemplo, em Julho foram abrangidos 60 mil trabalhadores independentes e 30 mil sócios-gerentes; e em Setembro, foram apoiados 15 mil trabalhadores independentes e 15 mil sócios-gerentes. No entanto, recordou que o Governo previa serem abrangidos mais de 170 mil pessoas e, como a proposta inicial ainda será adaptada, o universo deverá ser maior. Só mais tarde revelou que se prevê serem abarcados 250 mil trabalhadores.

Outra das críticas dos bloquistas deve-se aos montantes da versão inicial. No caso dos trabalhadores independentes que enfrentam uma quebra da actividade, corresponde, nessa versão, a metade do valor da redução de rendimento, com um tecto máximo — não poderá ser superior à média do rendimento ganho em 2019 e, em todo o caso, a Segurança Social pagará, no máximo, 501,16 euros.

O apoio tem um limite mínimo de 50 euros, podendo ser superior em duas situações: corresponderá a metade de um Indexante dos Apoios Sociais (219,4 euros) se a retracção for superior a um indexante (438,81 euros); ou terá como limite mínimo metade do valor da perda quando a quebra se situar entre 0,5 IAS e o valor de um indexante.

Na bancada do PS, o deputado Tiago Barbosa Ribeiro também estendeu o tapete ao diálogo à esquerda: “No PS não queimamos nenhuma ponte, não perdemos o foco da nossa orientação e trabalharemos para maiorias alargadas e necessárias para a resposta aos desafios que o país enfrenta, mas isso implica compromissos fundamentais em torno das opções que nós vimos seguindo”.

Ana Mendes Godinho já tinha afirmado que, além do apoio extraordinário, houve negociações à esquerda noutras propostas do orçamento dedicadas a “proteger o trabalho”, “nomeadamente” com a moratória para que não haja uma denúncia dos contratos colectivos “e outras medidas de combate à precariedade”. E o deputado do PS desfiou as várias medidas de protecção social, do aumento do salário mínimo (cujo valor ainda não é conhecido) à subida do limiar do subsídio de desemprego, passando pela estratégia nacional de combate à pobreza e pela actualização extraordinária das pensões mais baixas.

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