A almofada das pensões está mais curta
O colapso do serviço público de saúde agora e o colapso antecipado da Segurança Social significaria a ruptura da nossa relação com o Estado e a ruptura do próprio Estado.
O serviço público tem diante de si dois desafios de proporções imprevisíveis. O consistente crescimento de novos casos de doentes com covid-19 (que este sábado atingiu o pico desde o início da pandemia) ameaça a capacidade de resposta e de organização do Serviço Nacional de Saúde. O SNS confronta-se com uma nova avalancha, de progressão geométrica garantida nas próximas semanas, e com a incapacidade de atendimento em tempo útil de doentes com outras patologias.
Como já se anteviu, o clima de consenso de Março será política e socialmente irrepetível no Inverno: enfermeiros vão entrar em greve, a dupla Marta Temido e Graças Freitas será criticada pelas suas contradições ao longo do processo e a gestão da pandemia tornar-se-á, mais do que nunca, motivo de confronto político ou institucional. O que se passa em Portugal não se distingue do que passa no resto de uma Europa que caminha para a adopção de medidas mais gravosas com medo do colapso dos serviços de saúde.
O segundo desafio é igualmente preocupante. A crise económica decorrente da pandemia exige do Estado meios excepcionais, para fazer face a imprevistos especiais. A contracção brutal da economia e o aumento das prestações sociais fez com que, em 10 meses, o prazo previsto de longevidade da almofada financeira para o fundo de pensões recuasse uma década.
O Governo optou por deslocar verbas da receita do IRC e do adicional de IMI, que deveriam ser transferidas para o Fundo de Estabilidade Financeira da Segurança Social, para as necessidades actuais de tesouraria. Compreende-se a opção. Era impossível aumentar impostos.
Mas este fundo público deveria ter fontes alternativas de financiamento, que não dependessem apenas do mercado de trabalho, e que lhe garantissem a estabilidade para assegurar as despesas com pensões quando a receita das contribuições é inferior às despesas. Caso a economia não recupere e o emprego não cresça a tempo e horas, melhorando as previsões da sua sustentabilidade, como se verificou nos últimos quatro anos, sucessivos défices crónicos podem antecipar o esgotamento de um fundo que já sabemos não ser infindável.
É uma questão de ciclos. O colapso do serviço público de saúde agora e o colapso antecipado da Segurança Social significaria a ruptura da nossa relação com o Estado e a ruptura do próprio Estado.