Nuno Vasco Rodrigues: uma lente no oceano que alerta para os problemas ambientais

Biólogo e investigador, Nuno Vasco Rodrigues abandonou o Oceanário de Lisboa para se dedicar à fotografia submarina. Através da fotografia, procura alertar para os problemas ambientais dos oceanos.

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Boom de caranguejos-pilado nas Berlengas; Foto: Nuno Vasco Rodrigues

Nuno Vasco Rodrigues nasceu em Abrantes, longe do mar. Depois mudou-se para Coimbra e o mar continuava longe. Nada que o impedisse de escolher o oceano como o seu escritório. É investigador no pólo do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (Mare) no Instituto Politécnico de Leiria e um dos poucos fotógrafos submarinos portugueses, mas, assume preferência pela designação de fotógrafo de conservação.

As diferenças no nome servem para salientar a preocupação ambiental da sua actividade. “É um fotografo que vê mais além do que a questão estética e tenta através da imagem alertar para um problema”, explica ao PÚBLICO, dando exemplo da sobrepesca, do aquecimento global, da destruição dos habitats e do manancial de plásticos que poluem os mares. “Através de uma imagem com grande impacto captamos atenção da pessoa. A partir do momento que isso acontece, abre-se uma porta para transmitir uma mensagem e é isso que eu tento fazer”, diz.

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Nuno Vasco Rodrigues Ana Pinto

A ligação com o mar veio em pequenino. A “pesca foi a porta de entrada”, sobretudo devido à influência do avô materno, médico de profissão, mas pescador nos tempos livres. Na infância, Nuno Vasco Rodrigues, agora de 38 anos, aguardava ansiosamente pelo fim-de-semana. Era quando ia pescar com o avô, que lhe ia “sempre transmitindo conhecimento”. “Quando começava a pensar que ia para a pesca, já nem conseguia dormir.” Na altura, devido à distância geográfica, ia pescar sobretudo para a barragem na zona de Abrantes ou para o rio Mondego. A não ser no Verão: altura em que iam um mês para o Algarve. “Passávamos o dia inteiro nas poças de maré a procurar caranguejos e peixes e foi assim que começou a grande paixão.”

A paixão pelo mar estendeu-se a outras áreas. Começou por ser navegador federado e começou a experimentar – de forma mais amadora – o mergulho. Em suma, “passava o dia todo dentro de água à procura de peixes”. A certa altura, tinha a casa cheia de tanques e de peixes que trazia do mar. Foi aí que a família foi se apercebendo de que ele iria “enveredar por uma profissão qualquer ligada aos animais” – marinhos, sobretudo.

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Tubarões-azuis cruzam-se sobre o banco submarino Condor, na ilha do Faial, Açores Nuno Vasco Rodrigues

Não se enganaram. Quando chegou a altura de enveredar por um curso superior, a opção pelo curso de biologia marinha no Instituto Politécnico de Leiria foi “uma escolha muito natural”. “Nem havia outra hipótese, não havia segunda opção.” Estava no primeiro ano do curso quando tirou o curso de mergulho e começou a mergulhar nas Berlengas. Corria o ano 2000. Foi aí que a “parte de mergulho e da exploração marinha” começaram a ganhar “relevância” na sua vida.

Contudo, com a necessidade de passar mais tempo nas secretárias da faculdade, Nuno Vasco Rodrigues começou a sentir falta do mar, “sentia a falta de explorar os bichos”. No segundo ano, colocou um interregno no curso, aproveitou um contacto que tinha no Brasil e foi para lá trabalhar com cientistas. “Fui trabalhar num laboratório que fazia estudos no campo, na zona dos recifes corais.” Olhando agora com a respectiva distância temporal, o fotógrafo não tem dúvidas: “Essa experiência acabou por ser chave na minha vida, tive um contacto muito próximo com o meio científico e isso fascinou-me.”

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Tubarão-baleia, o maior peixe do mundo, na ilha de Santa Maria, Açores Nuno Vasco Rodrigues

Além de o ter fascinado, também o motivou. Voltou a Portugal, determinado a acabar o curso, para ir “rapidamente fazer ciência no terreno”. Foi o que fez. Após o curso, começou a trabalhar na área dos aquários públicos, com o papel de conservação. “Sempre fui um nerd dos peixes, os peixes sempre foram a minha grande paixão.”

Seguiu-se um curso na área dos aquários em Boston, nos Estados Unidos. O ano era de 2006 e marca o início da sua carreira na fotografia. “Havia lá na universidade uma pequena câmara compacta que ninguém estava a utilizar, lembro-me de pedir a um dos professores para a utilizar”, diz, puxando da memória para evocar o momento. O pedido foi acedido e é aí que surge a fotografia submarina na sua carreira. “Comecei por fazer algumas fotografias e a partir daí foi sempre a subir.” A fotografia surgiu por “necessidade”, por falta de um “guia de campo fotográfico da vida marinha”, algo que “não era habitual em Portugal”. No seu caso, interessava-lhe particularmente a zona das Berlengas e daí nasceu o seu primeiro de três livros: Guia de Espécies Submarinas. Portugal – Berlengas, de 2008 (seguiram-se Peixes Marinhos de Portugal, de 2015; e Peixes Marinhos Costeiros de São Tomé e Príncipe, de 2018).

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Lesma-do-mar em cima de uma gorgónia (coral mole) nas Berlengas Nuno Vasco Rodrigues

“Estás no meio do oceano e tudo pode acontecer”

Nuno Vasco Rodrigues fez parte da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental, na condição de especialista em biodiversidade marinha. Fez aí várias expedições às ilhas Selvagens e ao Porto Santo, ao mesmo tempo que trabalhava na empresa Flying Sharks, dedicada ao transporte de animais marinhos.

Com o seu nome associado a vários projectos, em 2015 recebeu um “desafio quase impossível de recusar”: ir para o Oceanário de Lisboa como responsável do departamento de conservação científica e da colecção. “Foi um salto na carreira.” Estávamos em Setembro de 2016.

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Tartaruga-de-couro “escoltada” por peixes-piloto na ilha do Pico, Açores Nuno Vasco Rodrigues

“Liderar uma equipa grande”, era um “desafio interessante”, diferente de tudo o que tinha feito até ali. A “experiência foi muito boa”, mas, com o passar do tempo, começou a fazer “muitas outras coisas que não estavam bem ligadas” à vida marinha. Inerências de um trabalho que também tinha muito de gestão burocrática. Ou seja, tal como quando decidiu suspender o curso para ir para o Brasil, o trabalho no oceanário fazia-o “sentir a falta do terreno”. Do terreno e da fotografia, uma vez que só fotografava aos fins-de-semana ou nas férias. Tudo isso pesou na decisão. “Chegou a altura que estava na hora de mudar. Não foi nada fácil, mas estava em ponto de saturação. Queria voltar ao mar.”

E voltou. Quase de seguida. Deixou o Oceanário de Lisboa em Janeiro deste ano, em Fevereiro foi para o Sul de Moçambique. Foi fotografar “animais de grande dimensão, que estão quase todos ameaçados”, como o caso do tubarão-baleia ou das jamantas. Além disso, foi também acompanhar um projecto de conservação com as comunidades costeiras moçambicanas para que sejam “elas próprias a definir as suas áreas marinhas protegidas”.

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O investigador Nuno Vasco Rodrigues Roberto Formiga

Entretanto, dá-se a pandemia da covid-19 e teve de abandonar Moçambique antes da conclusão dos projectos. Mal a evolução da pandemia permitiu o desconfinamento possível, o fotografo submarino foi para os Açores. Passou lá o Verão, de Junho a Setembro, na ilha do Faial, a acompanhar o trabalho desenvolvido pelo Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores. “Está a fazer-se ciência de grande nível e é muito relevante fazer imagens desses projectos porque há uma certa dificuldade em transmitir ao público em geral o trabalho dos cientistas. Daí a importância da comunicação de ciência.”

A estadia nos Açores era já uma das suas intenções para esse ano porque trata-se de um “ano absolutamente excepcional” para explorar o Atlântico. E Nuno Vasco Rodrigues fala de experiência própria. Dá o exemplo do tubarão-azul, que tem sido avistado frequentemente ao redor das ilhas açorianas. Aquele animal, a espécie de tubarão mais pescada a nível mundial devido à venda de barbatanas para o mercado asiático, é uma das predilectas do fotógrafo. “Queria muito fotografá-lo porque é um animal lindíssimo, é dos animais estruturantes, predadores de topo, responsáveis equilíbrio do ecossistema.”

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“Bailado” de jammantas na ilha de Santa Maria, Açores Nuno Vasco Rodrigues

Também conseguiu fotografar as jamantas que aparecem nos bancos submarinos dos Açores e o tubarão-anequim que passava perto da ilha do Faial. Também encontrou uma tartaruga-de-couro na ilha vizinha, a do Pico. De todos, não faltou o tubarão-baleia, o “maior peixe do mundo”, que esse ano “apareceu em força em Santa Maria” e também no Sul do Pico, onde foram avistados três animais a cerca de 150 metros da costa. “As pessoas das casas conseguiam ver, é algo anormal.” Uma anormalidade que resulta da centralidade das ilhas açorianas no Atlântico. “Estás no meio do oceano e tudo pode acontecer, tudo pode aparecer aqui mesmo ao lado.”

Mas os Açores não são um local privilegiado para a fotografia submarina apenas pela localização. Há quem defenda que a fotografia é essencialmente luz. E as águas açorianas, sendo “pobres em nutrientes”, têm uma penetração de luz interessante, que permite uma “óptima luminosidade” para as fotos. Além da luz, para uma boa fotografia submarina tem de se estar o “mais próximo possível do animal”, porque a localização é fundamental. “É como dizem os imobiliários: localização, localização, localização. É estar no sítio certo e à hora certa e isso só se consegue passando horas e horas no mar.” E para ele, não há nada melhor.

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