Três festas Erasmus causaram maioria dos contágios no superior

Há cerca de 500 estudantes do ensino superior público com covid-19. Contágio entre a comunidade Erasmus no Norte é responsável pela maioria dos casos.

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“Foi por sorte”, confessa Sofia Teixeira. Os dois colegas com quem partilha casa têm covid-19. Por um acaso, esta estudante de Engenharia Civil da Universidade do Porto não se cruzou com eles nos dias anteriores à confirmação do diagnóstico. Aquela universidade concentra quase metade dos quase 500 casos de infecção pelo novo coronavírus entre os estudantes do ensino superior público. Um foco de contágio entre a comunidade de alunos Erasmus no Norte explica boa parte deste número.

Ainda que tenha escapado à infecção ou à necessidade de uma quarentena preventiva, a vida de Sofia não deixou de mudar por causa da covid-19. Há duas semanas que não entra em casa, onde os dois colegas estão em isolamento. A proximidade com casos positivos “torna a doença mais real”, sintetiza Bárbara Ferreira, sua colega de curso.

As duas estudantes partilham uma mesa na esplanada da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) no intervalo entre duas aulas. Usam sempre máscara, apesar de estarem ao ar livre. “Temos de ter cuidados”, prossegue Bárbara, “mas não podemos deixar de viver”.

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Sofia Teixeira era “madrinha” de estudantes Erasmus ao abrigo de um projecto de acolhimento, mas nem chegou a conhecer os colegas estrangeiros. As actividades foram suspensas face ao foco de contágio que começou a ser detectado pelas autoridades de saúde a 3 de Outubro. Até ao momento, 101 estudantes do programa Erasmus da Universidade do Porto foram diagnosticados com covid-19. O número de novos casos diários tem vindo a estabilizar-se nos últimos dias.

A estes juntam-se mais 29 no Instituto Politécnico do Porto e outros 67 na Universidade de Aveiro. Pela proximidade entre as duas cidades, muitos dos estudantes estrangeiros da universidade aveirense deslocam-se habitualmente ao Porto para participar em festas e convívios. Ao todo, há 197 estudantes Erasmus infectados nestas três instituições — 98% de todos os contágios verificados em alunos estrangeiros até ao momento.

Surtos a norte

As autoridades de saúde identificaram pelo menos três festas entre estudantes estrangeiros na base deste surto. O surto teve especial impacto entre a comunidade espanhola que, além de ser a mais representativa na generalidade das instituições nacionais, acaba por se relacionar particularmente entre si. O facto de “muitos destes alunos partilharem casa” acabou por potenciar o contágio, mesmo entre aqueles que não estiveram nesses convívios, explica ao PÚBLICO o coordenador da “task-force” para a covid-19 na Universidade do Porto, José Castro Lopes, que é pró-reitor da instituição.

O foco entre os Erasmus do Norte do país é o principal responsável pelo total de 483 casos de covid-19 em alunos do ensino superior apurado pelo PÚBLICO junto das instituições – num universo global de mais de 380 mil estudantes inscritos. Estes dados foram apurados no final da semana junto de 24 das 28 universidades e politécnicos públicos. Não responderam o ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa e os politécnicos da Guarda, Tomar e Castelo Branco.

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As universidades do Porto e de Aveiro e o Instituto Politécnico do Porto concentram 71% do total de casos – 231, 78 e 36, respectivamente. Além das três instituições do Norte do país associadas ao surto entre estudantes Erasmus, só a Universidade Nova de Lisboa tem um número relativamente elevado de contágios confirmados (57).

Em sentido contrário, mais de metade (56%) das instituições de ensino públicas têm 12 casos ou menos. Há ainda cinco instituições (as universidades de Coimbra e dos Açores e os politécnicos de Viana do Castelo, Santarém e Setúbal) que não reportam nenhum caso de infecção entre os seus alunos.

Aulas seguras

Com 231 positivos, a Universidade do Porto é a instituição de ensino superior com mais casos de covid-19 entre os estudantes. O pró-reitor José Castro Lopes considera o número “pequeno”, tendo em conta que a universidade tem mais de 30 mil inscritos. Entre os 130 casos confirmados entre estudantes nacionais, “poucos” se relacionam com o surto entre a comunidade Erasmus, acrescenta o mesmo responsável. A situação “não gerou qualquer surto dentro da universidade”, defende Castro Lopes, o que é sintoma de que as medidas tomadas para impedir o contágio estão a ser “eficazes": “Nos contactos que mantemos diariamente com as autoridades de saúde, concluiu-se que não é necessário fazer mexidas no nosso plano de contingência.”

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Esta é uma mensagem que as instituições de ensino superior contactadas pelo PÚBLICO se esforçam por fazer passar: nenhum caso de contágio aconteceu dentro das salas de aulas ou noutros locais das suas instalações. “Não existem cadeias de transmissão activas na Universidade do Minho”, informa fonte da reitoria, onde todos os seis casos positivos são independentes. Os 12 estudantes com covid-19 no Politécnico de Leiria são “de casos isolados, com contágio identificado em contexto social e familiar”, segundo a presidência da instituição. 

“As aulas não têm sido local de contágio”, confia também Sofia Escária, presidente da Federação Académica de Lisboa (FAL), com base nas informações recebidas dos responsáveis das instituições de ensino superior da capital. As condições de segurança nas universidades e politécnicos “oferecem garantias”, acredita.

“Mais difícil” para os estudantes tem sido lidar com a incerteza na actividade lectiva. Há faculdades onde ainda não foi transmitido aos alunos de que forma vão funcionar algumas disciplinas, sobretudo nos casos em que as aulas são à distância, expõe a presidente da FAL.

Presencial e à distância

A maioria das universidades e politécnicos adoptou uma solução mista de ensino, combinando aulas presenciais, em particular as de carácter prático, com aulas à distância, sobretudo as teóricas. Até ao momento, ainda não houve grandes mudanças no plano inicial das instituições — exceptuando os casos de turmas que tiveram que entrar em isolamento profiláctico.

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Essa situação tem criado alguma dificuldade na gestão dos horários, sobretudo quando os alunos têm aulas presenciais imediatamente a seguir a aulas à distância. “Acabamos por ficar na faculdade a ter as aulas à distância para que possam chegar a tempo à sala na aula seguinte”, explica Pedro Guimarães, estudante de Engenharia Electrotécnica na FEUP — um problema reconhecido pela direcção da faculdade, que o justifica com o facto de ser difícil compatibilizar os horários de 8000 estudantes.

Para alguns alunos, também não está ainda claro se podem passar de um regime presencial para um regime à distância — por estarem infectados ou em isolamento, por exemplo. No início da aula de Estatística, o professor Rui Serôdio explica aos estudantes do mestrado de Psicologia que não vê necessidade de haver uma autorização dos serviços académicos da faculdade para mudarem de um regime para o outro, em caso de necessidade.

Naquela aula, tinha uma estudante à distância, que podia ver a lição através da câmara de um tablet. Nem todos os docentes da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto são tão compreensivos, queixava-se, minutos antes, Geórgia. “Até o regime de presenças é obrigatório. Mesmo que a gente queira contribuir para o colectivo, ficando em casa, temos de vir à faculdade”, lamenta. E dentro das aulas, sentem-se seguros? “Sim”, responde a estudante, interrompida de pronto pela colega Ana Carolina: “Quando alguém tosse, nem tanto.”

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