A app obrigatória e a maluqueira opcional
A obrigatoriedade dos cidadãos de instalarem uma aplicação com as características da StayAway Covid é claramente um acto que ultrapassa em muito o bom senso que, apesar de tudo, tem presidido às decisões do Governo sobre o combate à pandemia.
Não é fácil gerir um país em tempos de covid-19, com uma subida alarmante nos números de novos casos. Não é fácil gerir um país quando não se sabe bem se o Orçamento é aprovado e numa altura em que os velhos companheiros da “geringonça” se recusam agora a fazer o mesmo papel. Há seguramente alturas melhores para se estar no Governo do que esta, quando se sabe que é economicamente — e talvez mentalmente — impossível um novo lockdown e, no entanto, os casos de covid-19 começam a pressionar o SNS, que da outra vez fechou parcialmente e agora não pode fechar.
Mas pedir ao Parlamento que faça uma lei para tornar obrigatória a instalação da aplicação StayAway Covid em largos segmentos da população como os “trabalhadores”, “estudantes” e “forças de segurança” vai para lá do admissível — e vai contra tudo aquilo que o Governo, até agora, defendeu. A Comissão de Protecção de Dados já avisou que tornar obrigatório o uso da app “suscita graves questões relativas à privacidade dos cidadãos”. O que se passa na cabeça dos governantes?
Imaginemos que esta obrigação era constitucional, o que não deverá ser. Está o Orçamento do Estado preparado para financiar a compra de smartphones para os tais segmentos da população que o executivo identifica? Ou o Governo acha que toda a gente tem smartphones compatíveis com a dita app? Comprar um telemóvel com memória suficiente passa também a ser obrigatório, como descontar para a Segurança Social, pagar o imposto automóvel e as portagens?
Não vamos livrar-nos do vírus tão cedo. Vem aí um Inverno que pode ser muito difícil. O fecho parcial do Serviço Nacional de Saúde na primeira vaga teve custos e provavelmente explicam as mortes não covid a mais deste ano. Está provado que os “ajuntamentos” estimulam a propagação do vírus — é legítimo que se tentem diminuir depois de uma análise custo-benefício. Por exemplo, fechar as escolas teria um custo grave para as crianças, mas diminuir o número de pessoas que se juntam na rua não terá muitos custos acrescidos…
Mas, apesar de a situação ser de grande dificuldade para os decisores e para as populações, a maluqueira é opcional. A Constituição não foi suspensa para que os governantes possam lidar com a covid-19. E a obrigatoriedade dos cidadãos de instalarem uma aplicação com as características da StayAway Covid é claramente um acto que ultrapassa em muito o bom senso que, apesar de tudo, tem presidido às decisões do Governo sobre o combate à pandemia.