Rúben Guerreiro é uma fusão de confiança, ousadia e… mau feitio

O ciclista português, de 26 anos, a quem carinhosamente chamam “maluco”, venceu neste domingo a etapa 9 da Volta a Itália. Há mais de 30 anos que um português não erguia os braços no Giro.

Guerreiro a cruzar a meta na etapa 9 do Giro
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Guerreiro a cruzar a meta na etapa 9 do Giro LUSA/LUCA ZENNARO
O português é o actual líder da classificação de melhor trepador
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O português é o actual líder da classificação de melhor trepador LUSA/LUCA ZENNARO
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“Ó chefe, amanhã vou enganar os gajos”. Esta frase foi dita por Rúben Guerreiro, em 2017, no dia anterior a sagrar-se campeão nacional de estrada. De facto, enganou-os mesmo. Para uns, a promessa soaria a presunção e arrogância. Para outros, a confiança e ousadia. Foi um juramento audaz, mas que define bem quem é este ciclista português, que venceu, neste domingo, a etapa 9 da Volta a Itália, exibindo o peculiar equipamento da Education First.

Manuel Correia, director-desportivo da Oliveirense e treinador que lançou Rúben Guerreiro no ciclismo de elite, traça ao PÚBLICO o perfil deste corredor. O “chefe”, como é conhecido, explica que a autoconfiança e ambição do ex-pupilo são virtudes de Guerreiro, mas que, por vezes, o tornam um atleta difícil de “domar”.

“Em 2014, na Volta a Portugal do Futuro, ele todos os dias dizia que queria partir aquilo tudo, porque achava que estava melhor do que os outros. Foi um problema para o segurar”, recorda Manuel Correia, sobre uma prova que Guerreiro acabou por vencer. Tal como venceu o Campeonato Nacional, em 2017, horas depois de ter prometido ao chefe que ia “enganar os gajos”.

Rúben Guerreiro é isto mesmo: sentindo-se bem, atira-se de cabeça, mesmo quando a prudência é a melhor estratégia. “Ele é muito temperamental e impetuoso. É um excelente rapaz, mas, quando as coisas não correm bem, tem muito mau perder e mau feitio. E diz sempre o que tem a dizer, sem pensar (…) nós ainda hoje lhe chamamos ‘maluco’, mas no bom sentido: a correr ele é muito impulsivo, quer sempre atacar e ganhar”, declara Manuel Correia.

Mostrou paciência no Giro

Este lado fogoso, e até temerário, tem sido limado ao longo dos anos. Guerreiro não deixou de ser intenso e impulsivo, mas, na estrada, aprendeu a conter os instintos ofensivos e o excesso de confiança.

Foi, aliás, dessa forma que venceu neste domingo a etapa 9 da Volta a Itália, mostrando “cinismo”, paciência, ponderação e estratégia: deixou Jonathan Castroviejo trabalhar e desgastar-se e, nos últimos metros, atacou sem dar hipótese ao já cansado espanhol.

E esta vitória define parte dos predicados do ciclista de Pegões. “Ele tem uma óptima leitura de corrida. Defende-se em todos os tipos de terreno e finaliza muito bem”, caracteriza Manuel Correia, sobre um corredor que tem mostrado um perfil semelhante ao de Rui Costa, ciclista bem mais badalado no panorama nacional.

“Sim, eles têm muita coisa em comum, mas creio que o Rúben passa melhor as montanhas do que o Rui e acredito que vá, neste Giro, lutar por mais uma etapa e pela classificação da montanha”, adianta Correia.

Esta maior capacidade nas subidas pode, para Guerreiro, ser um ponto essencial no futuro, já que o ex-treinador acredita que o ciclista campeão nacional em 2017 venha a tornar-se um ciclista de corridas de três semanas e de clássicas duras.

Depois do 17.º lugar na Volta a Espanha, em 2019, e do triunfo numa etapa de montanha do Giro, em 2020, Guerreiro já tem dado provas de que pode liderar uma equipa numa “grande volta”, tendo já acumulado experiência e conhecimento em três equipas do World Tour: Trek, Katusha e Education First.

“Lá fora, desconfiam sempre de nós, pelo que ele, para se afirmar, tem de se afirmar mesmo. Mas, se lhe derem essa oportunidade [liderar uma equipa], ele vai agarrá-la”, garante o ex-treinador que, assume, porém, que o contra-relógio tem de ser trabalhado.

“Sim, concordo que esse é o calcanhar de Aquiles do Rúben. Ele vai evoluir no ‘crono’, mas nunca será um grande contra-relogista”, sentendia Manuel Correia.

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Guerreiro (terceiro à contar da esquerda) ao serviço da Liberty de Manuel Correia (ao centro) Facebook/Rúben Guerreiro

Um fã de carros a destacar-se de bicicleta

Fã de Lance Armstrong desde que, aos dez anos, já se sentava no sofá a ver a Volta a França, Rúben Guerreiro até começou por querer ser jogador de futebol. E chegou a conciliar a bola e as bicicletas, quando ainda corria no BTT.

Apesar de já ter assumido ter uma “panca” com carros e com os modelos M da BMW – agrada-lhe a adrenalina –, Guerreiro percebeu cedo que o caminho para o estrelato teria de ser feito com pés nos pedais. Não os de um automóvel, mas da bicicleta. 

“Quando ele chegou à Liberty nós já o conhecíamos dos juniores. Ele um dia apareceu lá com o Rafael Reis, perguntei-lhe se ele queria correr na Liberty e ele disse, àquela maneira dele, ‘então, chefe? Claro que quero correr na Liberty’. E desde início que fez coisas fantásticas. Ele corria com os profissionais com um à vontade incrível”, recorda Manuel Correia.

Agora, Rúben é um deles. Depois de alguns percalços e quedas que lhe enevoaram e atrasaram a fama, Guerreiro está, os 26 anos, no momento-chave para mostrar ao que vem. Tem montanha, tem explosão e tem leitura de corrida. Tem confiança, ousadia e maturidade. Falta a sorte. E isso tem sido o mais difícil de arranjar.

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