Tribunal grego condena líderes da Aurora Dourada por gerirem organização criminosa

Multidão em Atenas esperava um veredicto de culpado para o partido de extrema-direita, o assassino de Pavlos Fyssas, e o grupo que espancou um grupo de pescadores egípcios e sindicalistas.

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Mãe de Pavlos Fyssas reage ao veredicto Reuters/ALKIS KONSTANTINIDIS
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Polícia tenta controlar chamas provocadas por um cocktail molotov lançado um manifestante, depois de ser conhecido o veredicto LUSA/KOSTAS TSIRONIS
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Manifestação contra a Aurora Dourada LUSA/DIMITRIS TOSIDIS

A sala do tribunal de recurso de Atenas irrompeu em palmas quando foi anunciado o veredicto: a liderança do partido neonazi grego Aurora Dourada foi condenada por formação de associação criminosa.

Antes, tinham ainda sido considerados culpados Giorgos Roupakias, o assassino do rapper e activista anti-racista Pavlos Fyssas, em Setembro de 2013, e um grupo de cinco membros do partido que espancou um grupo de pescadores egípcios quase até à morte e que agrediu também um grupo de sindicalistas.

À porta do tribunal, uma multidão de milhares de pessoas manifestava-se pedindo condenações no processo que durou mais de cinco anos, que inicialmente se previa que levasse 18 meses. Esperavam a “catarse de uma época”, descreveu a correspondente do Guardian em Atenas, Helena Smith.

A liderança do partido Aurora Dourada incluía oito pessoas além do líder, Nikos Michaloliakos, conhecido como o “pequeno Führer. Era não apenas um partido de extrema-direita, mas também neonazi; há imagens de Michaloliakos e outros líderes a fazer saudações nazis. 

Os que foram condenados por dirigir uma organização criminosa enfrentam penas de até 15 anos de prisão, e, se forem condenados por mais crimes, as sentenças deverão ser mais longas. Estas só serão anunciadas dentro de alguns dias.

O partido nasceu nos anos 1980, fundado por simpatizantes da junta militar que governou o país entre 1967 e 1974, mas ganhou relevância nacional em 2012, quando nas eleições de Maio conseguiu 7% dos votos e entrou no Parlamento com 21 deputados, em plena crise económica grega.

Baseou a sua campanha em discurso anti-imigração e de segurança, com acções de propaganda como acompanhar idosos a levantar as suas reformas “em segurança”; mais tarde, fez campanhas de distribuição de alimentos “só para gregos”. A violência existia nas palavras e em alguns actos públicos: em Junho de 2012 o porta-voz Ilias Kasidiaris deu uma estalada a uma deputada num debate ao vivo na televisão (e nada aconteceu).

Continuou a ter bons resultados, chegando a ser a terceira força política da Grécia, mesmo depois do assassínio de Fyssas

Entre 2012 e 2019, foi um dos partidos mais extremistas e violentos e com maior sucesso na Europa, contribuindo para um clima de violência contra refugiados e estrangeiros na Grécia, que aumentou sobretudo a partir da entrada do partido no Parlamento nacional.

A investigação ao partido mostrou que este operava como um grupo paramilitar, com ordens dadas pela liderança a organizações de bairro e a grupos locais que depois levavam a cabo ataques violentos contra estrangeiros: havia um padrão de ataques de grupo, muitas vezes em motas, por vezes com cães, de cara tapada, com bastões ou outros objectos. 

No processo há centenas de vídeos e mais de seis mil páginas de testemunhos sobre a estrutura hierárquica e militar do partido, incluindo de cinco antigos elementos arrependidos que estão entretanto em programas de protecção de testemunhas.

Em 2019, já com o processo judicial a decorrer, com problemas de financiamento, divisões internas e saídas, a Aurora Dourada não conseguiu chegar aos 3%, o mínimo necessário para ter representação parlamentar.

“Com a decisão de hoje, termina um ciclo traumático na vida pública do país”, reagiu o primeiro-ministro, Kyriakos Mitsotakis, do partido conservador Nova Democracia. “Tal como nas urnas, este grupo nazi também foi condenado pelo tribunal.”​

A associação de defesa dos direitos humanos Amnistia Internacional declarou que o veredicto tem implicações além da Grécia. “As acusações contra os líderes e membros da Aurora Dourada, incluindo o assassínio de Pavlos Fyssas, deixam exposta uma fissura que existe não apenas na Grécia, como também na Europa e não só”, disse Nils Muiznieks, o director para a Europa da Amnistia.

“O impacto deste veredicto, no que é um julgamento emblemático de um partido de extrema-direita com uma posição agressiva anti-imigrantes e antidireitos humanos, vai ser sentido além das fronteiras da Grécia.”​

O jornalista britânico Daniel Trilling observa que esta é “uma vitória para as vítimas e os activistas anti-fascistas que passaram anos a lutar por justiça, por vezes com grande custo pessoal”. 

A decisão, comenta Trilling, “é mais do que simbólica: o julgamento acabou com a Aurora Dourada como organização, um último recurso em que todos os outros meios políticos falharam”.

Ao sair da sala do tribunal, a mãe de Pavlos Fyssas, Magda, que nunca faltou a uma só sessão, tirou a máscara, levou os braços ao ar e gritou: “Conseguiste, meu filho.”

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