O que começou como uma pequena acção nesta segunda-feira, feriado de 5 de Outubro, acabou por travar completamente o trânsito no Marquês de Pombal, em Lisboa, e a obrigar a uma forte intervenção policial. Cerca de cem pessoas protestaram e algumas sentaram-se nas estradas da principal rotunda da capital numa acção de desobediência civil pacífica, para lutar contra a falta de acção política face às alterações climáticas.
Parecia haver tantos agentes da PSP como manifestantes. Mas o aparato policial não desmotivou os activistas, que bloquearam os acessos da rotunda por volta das 12h20.
Às 13h, a polícia começou a levantar e a arrastar os manifestantes. Alguns, ligados entre si por canos e tubos - para assegurar o distanciamento físico e dificultar o trabalho das autoridades - o que levou a que Equipa de Prevenção e Reacção Imediata (EPRI) da PSP entrasse em acção.
Os manifestantes permaneceram no chão, desobedecendo pacificamente, e foram arrastados, uns a bem, mas muitos a mal, para fora da rotunda, faixa a faixa, até o trânsito estar estabelecido. Em pouco mais de 20 minutos, todos os manifestantes foram empurrados para a relva do Parque Eduardo VII e a acção foi-se dissipando.
Deitada no chão, antes de ser arrastada pelas autoridades, estava Rita Santos, estudante de 20 anos. Para Rita, a luta pelo clima tem de ser radical. “Temos de fazer uma luta radical e urgente para mudar o rumo das coisas, porque o planeta está a destruir-se muito rapidamente.”
Outro manifestante, que não quis dar o seu nome, salientou que o protesto no Marquês de Pombal não procura chatear ninguém, mas sim alertar. “Cortar o trânsito é uma maneira das pessoas perceberem que algo não está bem. Não estamos a fazer isto por prazer ou para chatear a vida das pessoas, mas para notarem que algo muito maior está a passar-se e tirarem um bocadinho do seu tempo para pensarem nisto.”
Os protestos foram muito semelhantes aos entoados no dia 25 de Setembro, durante a greve climática estudantil. “Mudar o sistema, não o clima!”, “Não há planeta B!”, “Novo normal, justiça social!”.
O protesto deste início de tarde também se caracterizou por uma heterogeneidade muito maior do que a vista na acção climática do passado dia 25, apesar da reduzida adesão. Eram muitos mais os pais e adultos mais velhos que, desta vez, assumiram a batuta da desobediência civil e da luta climática.
“Tenho dois filhos, que não teria se tivesse sido mãe agora, mas já que estão cá, por eles e por todos os filhos dos outros, tenho de fazer alguma por isso”, disse Marta Matos, professora de Educação Visual de 50 anos. Também Margarida Gato, de 47 anos, vincou que “o povo tem o dever de fazer a mudança, independentemente do que a vontade de certos governantes possa permitir ou não”.
Marta Matos lamentou ainda que o desconfinamento seja um simples retomar à normalidade, já que a crise climática está a ser esquecida na hora de voltar às cidades e ao “novo normal”. “Voltamos todos ao consumismo, ao trânsito, às embalagens descartáveis, que estão de novo a voltar e foi um passo que tínhamos dado em frente, e é urgente pensar nisto. Não temos só uma crise política, não temos só uma crise sanitária, temos sobretudo uma crise climática que nos levou a uma pandemia como esta”.
Uma “res-publica” pela justiça social e climática
A marcha desta segunda-feira foi também mais curta, desde o topo do Parque Eduardo VII até ao Marquês de Pombal. O mote era usar o feriado da implantação da República para “reivindicar a ‘res-publica’ - a coisa pública, que é de todos e todas e de ninguém”: no fundo, o clima é de todos e é fundamental defendê-lo.
Para Luís Filipe Matias, reformado com 59 anos e antigo trabalhador num aterro sanitário, associar o simbolismo da implantação da República serve para alertar para uma maior “justiça social” e exigir “um rendimento mínimo garantido e um salário máximo limitado”. Brandindo um cartaz em que também pede “justiça ambiental”, Luís Filipe Matias lamenta que sejam “os pobres que mais estão a sofrer com as alterações climáticas”. “Não são os multimilionários que sofrem com secas e florestas a arder; pelo contrário, são os multimilionários que mais poluem.”
A acção de hoje, que juntou vários colectivos e iniciativas pelo clima, dos mais novos aos mais velhos, foi lançada pela Climáximo. João Reis, da organização do grupo de activistas, referiu que “não há maior coisa pública que o clima” e insurgiu-se contra o financiamento de prospecções de gás natural, por não serem um factor de transição energética eficiente.
“O gás natural é dito pelo Governo que é uma transição energética quando não é: é um gás tão fóssil e nocivo como os outros e a sua combustão gera as mesmas alterações climáticas que os outros fósseis. Quem diz isto diz o hidrogénio: suspeita-se que não é propriamente para fazer uma transição energética, é mais uma maneira de fazer um brain-washing com fundos, dizendo que é para combater o colapso climático”, disse o activista.
Adesão chega para passar mensagem
No dia 25 de Setembro, cerca de 300 marcharam entre o Marquês de Pombal e o Rossio em Lisboa. Com elas, juntaram-se algumas dezenas de estudantes pelo país e milhares pelo mundo inteiro. Desta vez, cerca de cem protestaram pelo clima, mas a menor adesão não desanima os organizadores.
“A adesão conta, mais é sempre melhor. E apesar de entendermos os tempos de covid, isso não impede nem contradiz a emergência desta luta, e, portanto, aqui estão estas pessoas para mostrarem às outras que quando isto estiver dissipado, podem estar de volta à luta”, disse João Reis, da Climáximo.
Já Andreia Galvão, porta-voz da Greve Climática Estudantil que esteve no centro da organização do protesto do dia 25 de Setembro, salienta que esta luta não depende de números. “A adesão é muito difícil de prever nestes tempos, especialmente com a situação de Lisboa. Compreendemos o risco das pessoas em estar nas ruas e nas acções políticas. No entanto, achamos que estas reivindicações não podem ser deixadas para segundo plano. Não é uma questão de números, é uma questão de relevância política.”
No último protesto, estiveram ainda presentes alguns partidos, como militantes LIVRE e do recém-criado Volt, além da deputada do PAN, Inês de Sousa Real. Desta vez, durante um feriado nacional, não apareceram dirigentes partidários.
Andreia Galvão gostava de ver políticos presentes, disse que “era fixe”, mas não se admira que não apareça ninguém para gritar com os manifestantes. “Sabemos que o nosso Governo tende a ignorar a crise climática.”
Nota de edição: Com a posterior actualização deste texto foi retirada uma frase sobre a actuação da PSP. O texto foi corrigido porque na primeira versão se lia que a polícia ameaçou partir os braços aos manifestantes, quando se deveria ler que foi feito um aviso para o risco de ferimentos, conforme foi testemunhado no local. O P3 assume o equívoco. Pedimos desculpa aos nossos leitores.