Tu não és a síndrome do impostor
Na síndrome do impostor há um desfasamento entre a imagem que temos de nós próprios e a imagem que os outros têm de nós. Uma desvalorização de competências, um constante sentir que estamos aquém e até um sentimento de culpa quando não corre tudo na perfeição.
Escrever, apagar. Escrever novamente, apagar. Faltam as palavras e, entre cada frase, uma voz a zumbir que é desta que vão descobrir que essas prosas que escrevo não valem nada. A mesma voz que me murmurou, a cada passo dado, que vão perceber que afinal sei muito menos do que pareço. Uma luta antiga e constante em perceber que voz é esta. Só mais tarde soube que essa voz que me fatiga tem nome e categoria – a síndrome do impostor.
Não surge só na escrita, pode ladainhar tanto no novo emprego como no dia-a-dia do teu emprego conhecido em cada nova tarefa ou progressão. Pode murmurar ao cientista quando avança na sua investigação. Pode atazanar o actor que recebe um novo papel de estrela. Podia agora fazer quantos e tantos cenários que há e não iria enumerar todos os possíveis de tão comum (apesar de camuflada) esta voz é.
Com esses zumbidos e ruídos, a síndrome do impostor faz acreditar, a quem como eu os ouve, que não somos bons o suficiente. Convence-nos que não merecemos as nossas conquistas e que um dia vão descobrir que somos uma fraude. À chegada de cada novo desafio, há um misto de ansiedade com entusiamo. Somos motivados nesses desafios, mostramos até uma confiança e segurança no que estamos a fazer, contudo cá dentro essa voz danada a sussurrar uma vez mais que todos vão perceber que atrás dessa confiança está uma fraude. Fazemos acontecer, recebemos feedback positivo, vemos os resultados e começamos a crer que não somos fraude nenhuma, mas rapidamente surge novamente a voz a dizer que é mentira. Porquê? Como?
No fundo, há um desfasamento entre a imagem que temos de nós próprios e a imagem que os outros têm de nós. Uma desvalorização de competências, um constante sentir que estamos aquém e até um sentimento de culpa quando não corre tudo na perfeição.
Alguns podem até estranhar, chamar falsa humildade ou que vemos problemas onde não existem. Mas existe e é um bom molho de anseios. Um medo persistente que tende a aumentar a cada conquista. Quanto mais conseguimos, mais achamos que alguém um dia vai perceber que afinal não sabemos fazer nada disso e que sem querer enganámos todos à nossa volta.
Há então uma sensação que todo o nosso sucesso não é devido, que vem de uma tal de sorte. Surge constantemente o “não foi nada” ou o “bem, podia ter sido melhor”. Aqui começa a bola de neve impostora: achamos que temos de ser ainda melhores porque nunca estamos ao nível. Ao mesmo tempo que queremos ser melhores, sabotamo-nos porque achamos que nunca vamos conseguir. E é aqui que chega a ansiedade. E é aqui que precisamos de saber que não somos impostores. Somos incapazes de verbalizar essa ansiedade, afinal mostrar que temos este medo cria um sentimento de vulnerabilidade e o “agora sim, vão perceber que sou uma fraude”.
Poderia até listar uma série de prémios Nobel, escritores com uns quantos livros, directores executivos, professores universitários, grandes estrelas do cinema, para mostrar como esta sensação aterradora de ser uma fraude pode acontecer a todos. No entanto, por mais listas que faça, importa dizer que pode ser qualquer um de nós e que é normal. Pode ser a vossa colega de trabalho, o vosso melhor amigo, ou quem sabe vocês próprios, que precisam de ouvir “tu não és impostor”.
Desconstruir esta síndrome é, na realidade, uma construção contínua. Exige foco em ver cada conquista sem a desvalorizar. Exige assumir que falhar também faz parte e não é por isso que o nosso mérito desvanece. Exige foco no caminho e fruir da evolução e dessa construção, mesmo que alguns blocos vão caindo. E sim, eu não sou impostora.