Prémios IgNobel: de Donald Trump e Boris Johnson até ao arroto de um jacaré com hélio
A bem-humorada edição de 2020 dos Prémios IgNobel teve vários vencedores. O Prémio de Acústica foi atribuído a uma equipa que induziu um jacaré a respirar hélio. Jair Bolsonaro, Boris Johnson, Alexander Lukashenko, Donald Trump, Recep Tayyip Erdogan e Vladimir Putin foram alguns dos vencedores do Prémio de Educação Médica, pelos piores motivos.
A lista de vencedores do Prémio de Educação Médica é extensa mas o argumento é simples: vários líderes de diferentes países foram premiados pelos “comité” dos IgNobel por terem usado “a pandemia viral de covid-19 para ensinar ao mundo que os políticos podem ter um efeito mais imediato sobre a vida e a morte do que os cientistas e médicos”. Além deste reconhecimento pela desinformação que deve ser levada a sério, há outros temas de ciência mais improváveis que envolvem jacarés, cientistas com medo de aranhas, minhocas a vibrar, sobrancelhas e narcisistas, e uma doença muito comum mas pouco reconhecida: a angústia dos que ouvem outras pessoas a fazer sons a mastigar. E facas feitas de fezes humanas congeladas.
É a 30.ª edição desta iniciativa que brinca com a ciência e destaca algumas das mais invulgares produções e invenções dos cientistas de todo o mundo. E, como sempre, há histórias incríveis. Desde 1991 que os prémios IgNobel vão parar às mãos de académicos de todo o mundo. O objectivo é premiar as façanhas que aproximam o público em geral de “áreas como a ciência, medicina e tecnologia”, lê-se no site da iniciativa.
Um dos mais insólitos vencedores dos Premio IgNobel de 2020 é o Prémio de Acústica. “A nossa pergunta era se os jacarés tinham ressonâncias no tracto vocal como acontece com os humanos”, explica à agência Reuters o biólogo Tecumseh Fitch, da equipa de investigação que inclui cientistas da Áustria, Suécia, Japão, Estados Unidos e da Suíça. A dúvida era então se o animal sob o efeito de hélio também guinchava, tal como as pessoas que se sujeitam voluntariamente a esta estranha actividade.
“A parte difícil é fazer um jacaré respirar hélio”, nota o cientista, que adianta que o desafio foi resolvido colocando uma fêmea de jacaré-da-china numa câmara hermética e bombeando hélio, o que faz o som viajar mais rápido. “Os jacarés berram muito durante a época de acasalamento, possivelmente como uma forma de sinalizar o tamanho do corpo e a energia”, explicam os investigadores que concluíram que o hélio tornou o animal menos atraente, num artigo publicado na Journal of Experimental Biology. No final da experiência, o jacaré não terá guinchado mas, referem os autores, soltou um arroto.
Mas há mais. O prémio de Psicologia foi atribuído a uma dupla de investigadores no Canadá e nos EUA, Miranda Giacomin e Nicholas Rule, por “desenvolverem um método para identificar narcisistas observando as suas sobrancelhas”, publicado na Journal of Personality. O Prémio da Paz foi para os Governos da Índia e do Paquistão “por terem diplomatas que secretamente tocam as campainhas uns dos outros a meio da noite e depois fogem antes que alguém tenha a chance de atender a porta”, segundo diversas notícias publicadas sobre este caso estranho. O prémio da Física foi atribuído a uma equipa internacional que demonstrou o que acontece com a forma de uma minhoca viva quando o seu corpo recebe ondas em alta frequência.
Foi também uma equipa internacional que recebeu o Prémio de Economia pelo esforço na tentativa de quantificar a relação entre a desigualdade dos rendimentos em diferentes países e o valor médio do beijo na boca. Sim, leu bem, do beijo na boca. “Quando agregada, a relação prevista entre desigualdade de rendimentos e frequência de beijos (r = 0,67, BCa IC 95% [0,32,0,89]) foi mais de cinco vezes o tamanho das correlações nulas entre desigualdade de rendimentos e frequência de abraços/carinhos e sexo”, lê-se no artigo publicado na revista Scientific Reports em Abril de 2019 com o título: “Desigualdade nacional de rendimentos prediz variação cultural no beijo na boca”.
Muitas vezes, estes prémios também inventam categorias à medida do trabalho científico que querem celebrar. Assim, foi ainda atribuído o prémio de entomologia (especialidade da biologia que estuda os insectos) ao investigador norte-americano Richard Vetter, por reunir provas de que muitos entomologistas têm medo de aranhas, que não são insectos. Entre outras diferenças, os insectos têm seis patas e as aranhas oito. Na área da Medicina houve dois prémios. O prémio da Medicina foi atribuído a investigadores da Holanda e na Bélgica que diagnosticaram “uma condição médica há muito não reconhecida: a misofonia, a angústia de ouvir outras pessoas fazer sons enquanto mastigam”, um tema tratado em dois artigos científicos, um na revista PLOS ONE e outro na Journal of Affective Disorders.
Depois, talvez o menos surpreendente e o prémio que, infelizmente, terá menos piada foi o Prémio de Educação Médica atribuído a vários líderes mundiais pelo esforço de desinformação. A lista de vencedores inclui: Jair Bolsonaro, do Brasil, Boris Johnson, do Reino Unido; Narendra Modi, da Índia; Andrés Manuel López Obrador, do México; Alexander Lukashenko, da Bielorrússia; Donald Trump, dos EUA; Recep Tayyip Erdogan, da Turquia; Vladimir Putin, da Rússia; e Gurbanguly Berdimuhamedow, de Turquemenistão.
O demérito? “Usar a pandemia viral de covid-19 para ensinar ao mundo que os políticos podem ter um efeito mais imediato sobre a vida e a morte do que os cientistas e médicos”. A organização da 30.ª edição dos IgNobel nota que “este é o segundo Prémio IgNobel concedido a Alexander Lukashenko”, que em 2013 levou o Prémio IgNobel da Paz por tornar ilegal aplaudir em público.
Por fim, o Prémio Materiais da Ciência foi entregue a cientistas dos EUA e do Reino Unido que mostraram, num artigo publicado na revista Journal of Archaeological Science, que “facas fabricadas com fezes humanas congeladas não funcionam bem”. Isso, mais uma vez, leu bem. Facas feitas com fezes, que não funcionam bem.