O futuro da floresta portuguesa, construído semente a semente
Com o objectivo de contribuir para uma floresta mais equilibrada, resiliente e biodiversa, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas detém quatro viveiros no território nacional, onde são semeadas, testadas e preparadas espécies nativas que serão propagadas pelo país. O PÚBLICO visitou o Viveiro Florestal de Amarante.
O Viveiro Florestal de Amarante estende-se por dois hectares, por onde se alinham três estufas junto ao rio Tâmega. É descrito como um “conjunto de pequenos campos de testes” onde se ensaia o que será, ou o que se pretende que seja, a floresta portuguesa. Foi deste viveiro do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) – e dos restantes três, em Alcácer do Sal, Sabugal e Monte Gordo – que, ao longo das últimas quatro décadas, saíram, ainda em cuvetes, algumas das árvores que hoje preenchem a paisagem natural portuguesa, tendo em vista o reforço do seu cariz autóctone.
Na perseguição deste objectivo, Carlos Silva, engenheiro florestal e técnico do ICNF, é um dos principais obreiros. Enquanto responsável técnico dos viveiros de Amarante, dedica-se ao acompanhamento quase em permanência das plantas que ali germinam, já que, devido à vulnerabilidade e à imprevisibilidade do processo, estas estão sujeitas a diversos factores de risco. “Há doenças que aparecem, há pragas que nos visitam, pelo que temos de ter uma observação muito atenta”, esclarece. Simultaneamente, também os factores climatéricos, como “um calor extremo ou uma humidade muito forte”, devem ser tidos em consideração “para que as plantas sigam o seu caminho sem mazelas”.
De facto, o responsável acredita que o trabalho ali realizado é determinante para que a adaptação das plantas ao terreno seja bem-sucedida e, com isso, que as florestas se tornem “mais resilientes” perante as múltiplas e constantes ameaças que enfrentam actualmente. “Não adianta produzir plantas muito bonitas e em grandes quantidades quando elas vão morrer depois de instaladas no terreno”, ressalva. É, portanto, através de “metodologias e técnicas de produção” distintas e mais trabalhosas, tidas como “exemplos” para os viveiros privados do país, que Carlos e a sua equipa, composta por nove elementos, promovem “plantas mais equilibradas”.
Mudar a paisagem e fomentar “este tipo de reflorestação”
Apesar de representarem apenas 2,7% face ao total de produção nacional, os viveiros detidos pelo ICNF tentam fazer a sua parte no objectivo de uma floresta “mais biodiversa”. No caso específico da infra-estrutura de Amarante, “90% das cerca de 30 espécies produzidas são autóctones”, entre as quais estão o pinheiro-silvestre, o carvalho, o teixo, o zimbro, o amieiro, a bétula e o freixo. Têm como destino as áreas que se encontram sob gestão do Estado (cerca de 12% da área florestal nacional), primordialmente no norte e centro do país, de forma a respeitar as “especificidades de cada região” e a lógica de complementaridade segundo a qual se orientam todos os viveiros da rede ICNF.
A instalação no terreno das plantas criadas no viveiro acontece sobretudo no âmbito de projectos-piloto concretizados frequentemente em parceria com outras entidades, com o propósito de proteger as “áreas prioritárias ou recuperar habitats degradados”. Uma política que, segundo Sandra Sarmento, directora regional do ICNF, está em linha com as responsabilidades da entidade enquanto “autoridade florestal e autoridade de conservação da natureza”. “Como é óbvio, nós percebemos, por todos os problemas que existiram, que temos de mudar a paisagem e fomentamos este tipo de reflorestação.”
Apesar de representar uma fatia significativa (“entre 80 a 90%”), nem toda a produção dos viveiros do ICNF segue este curso. Adjacentes às infra-estruturas de produção, existem também postos de venda directa ao público, que pode aparecer sem aviso prévio para adquirir plantas para as suas propriedades. As vendas não acontecem num “número muito significativo” – a organização das propriedades numa estrutura de minifúndio parece ajudar a explicar a baixa procura –, mas o contacto é visto como uma oportunidade para, fazendo uso da pedagogia, promover e sensibilizar os cidadãos para a importância de “diversificar a floresta” face à actual constituição da paisagem portuguesa.
“As pessoas querem sempre plantar para colher, mas não será para a vida delas. Será para as gerações futuras, por isso têm de fazer o investimento e dar-se bem com essa situação, porque obter rendimento em áreas tão pequenas é quase impossível”, relembra Carlos Silva. Perante as condicionantes prediais limitativas, o engenheiro prefere exaltar a importância da união entre proprietários com vista a uma “floresta diferente”.
O “valor incalculável” das plantas “genuinamente portuguesas”
Organizados numa lógica de tríade, os trabalhos no Viveiro Florestal de Amarante contemplam, para além da produção, a componente de conservação de espécies e de experimentação. A disposição do espaço, situado diante de uma encosta repleta de carvalhos-portugueses, é um reflexo disto mesmo: áreas perfeitamente individualizadas e identificadas com o tipo de tratamento, data de execução e testes que estão a ser efectuados. De um lado, testam-se formas de quebrar a dormência das sementes de espécies como o teixo ou o zimbro; do outro, ensaiam-se métodos (tais como a desinfecção de sementes, dos sistemas de rega e dos substratos) para travar o cancro resinoso, o chamado “rosário”.
Perante o leque de actividades exercidas e os serviços disponibilizados, não restam dúvidas para Carlos Silva e Sandra Sarmento de que os viveiros são uma “mais-valia tanto a nível local como nacional”. Se, por um lado, a estrutura “contribui para a valorização e para a fixação de pessoas” – por empregarem trabalhadores da região –, por outro, a sua inexistência impossibilitaria o acesso da comunidade a muitas das espécies ali produzidas, já que, pela sua baixa procura, não são apostas dos viveiros privados.
A componente conservacionista é, desta forma, vista com especial atenção e responsabilidade pelos dois intervenientes. Carlos Silva destaca mesmo o “valor incalculável” que as plantas “genuinamente portuguesas e de áreas adaptáveis” podem atingir quando extraídas dos povoamentos seleccionados, numa representação das “essências de cada região”. Um trabalho que começa com a recolha das sementes no terreno por parte dos elementos operacionais do Corpo Nacional de Agentes Florestais (CNFA), sendo mais tarde são transportadas para as instalações de uma outra entidade pertencente ao ICNF, o Centro Nacional de Produção de Sementes Florestais (CENASEF) – percorrendo, assim, um circuito fechado e autónomo.
Para já, a capacidade de produção do Viveiro Florestal de Amarante fixa-se anualmente nas 300 mil unidades. Um número que poderá e deverá crescer consoante a realização das muito ansiadas obras de reestruturação das instalações – dependentes apenas, segundo Sandra Sarmento, de “enquadramento financeiro”. É que volvidos mais de quatro décadas desde a sua inauguração, é “absolutamente necessário” substituir, melhorar e modernizar a maquinaria existente e que em alguns casos chega a ser “obsoleta”.
As alterações poderão trazer a “automatização de procedimentos”, ainda que a vontade seja, paralelamente, continuar a apostar no “reforço do pessoal operacional”, o que poderá elevar o número de plantas produzidas para os dois milhões anualmente. Um número que pode impressionar à primeira vista, mas que se revela ínfimo quando confrontado com a dimensão do território português e, mais especificamente, com a área de actuação do ICNF. Trata-se, assim, de um primeiro passo rumo uma floresta menos vulnerável às ameaças que, na história recente do país, se cumpriram com mais frequência e violência do que desejado.