O impacto da pandemia de covid-19 no ensino está a criar um dilema em vários jovens portugueses que frequentam cursos superiores de artes no Reino Unido porque grande parte das aulas vão ser dadas na Internet.
Prestes a começar o segundo ano de mestrado em Fotografia na universidade Royal College of Art, Rita Silva, de 25 anos, está em Portugal, na casa dos pais no concelho de Gondomar, onde passou o confinamento desde Março, e ainda não sabe se vai voltar já para Londres.
“É difícil tomar uma decisão sobre o que é melhor fazer, se é melhor ficar em Portugal no primeiro semestre para poupar o dinheiro da renda, ou se é melhor ir para Londres para me sentir mais integrada no grupo da minha faculdade. Vai ser mais difícil em termos de dinheiro porque não tenho os mesmos trabalhos que tinha no ano passado para pagar a renda. É uma situação de dilema que estou a sentir”, contou à agência Lusa.
Para ingressar na universidade inglesa, precisou de poupar dinheiro ganho a trabalhar em Portugal após a licenciatura na Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo, além de pedir um empréstimo de 10 mil libras (11 mil euros) para pagar as propinas. Quando chegou à capital britânica, no ano passado, trabalhou no bar da faculdade e na sala de informática para ajudar a pagar as contas, mas os contratos terminaram porque nenhum desses serviços vai estar disponível em Setembro.
“Estou mesmo indecisa: às vezes acordo e penso: Ok, fico em Portugal, outras vezes Ok, Londres. Estou mesmo à espera da última resposta da minha faculdade, isso é que me vai fazer decidir. Se eles me disserem que vai ser tudo online, é provável que fique em Portugal. Se disserem que vamos ter acesso ao estúdio, é muito provável que vá porque poder fazer experiências em estúdio faz a diferença”, explicou.
"É sempre melhor ter um pé em Londres"
Teresa Arede, finalista de mestrado em Artes Plásticas na mesma universidade, também passou o confinamento em Londres e questiona-se sobre se deve voltar à cidade inglesa, onde construiu uma rede de contactos que lhe valeram alguns exposições. “É sempre melhor ter um pé em Londres. A questão é ter um estúdio e as coisas serem caras em Londres. Não sei se vai haver tantas oportunidades”, confessou.
Mariana Fernandes, de 22 anos, finalista da licenciatura na Guildhall School of Music and Drama (GSMD), passou o confinamento na capital britânica para evitar colocar em risco a família em Portugal, e decidiu continuar os estudos, iniciando um mestrado em canto. “A situação está tão complicada em termos artísticos e a maior parte das casas de espectáculos estão fechadas ou vão reabrir com capacidade mais pequena, por isso o mercado de trabalho vai ser muito mais competitivo e difícil, principalmente com alguém que está a sair de licenciatura neste momento”, explicou à Lusa.
O ensino vai ser feito pela Internet e algumas aulas individuais e de grupo vão ser presenciais, e até a entrada no edifício vai ser bastante mais restrita, impedindo o convívio social no café. Bolseira da Fundação GDA, da Kathleen Trust e da própria universidade, a almadense conta com o apoio “financeiro e moral” da família e continua a receber o salário enquanto está em lay-off pelo trabalho como assistente de sala de espectáculos, mas o futuro é incerto. “Tenho estado a ensinar uma menina de sete anos e estou a candidatar-me a uma escola que dá aulas de música só online para tentar compensar”, adiantou Mariana Fernandes, mantendo a esperança de fazer carreira em canto lírico.
Inês Reis, de 20 anos, que frequenta a mesma licenciatura e partilha a casa com Mariana Fernandes, também está a procurar outras opções profissionais e por isso decidiu avançar para um quarto ano de estudos. “Este último ano é demasiado importante é demasiado para o meu curso para as qualificações com que vou ficar no futuro. Vou ter uma cadeira especial de técnicas de ensino e vai dar-me qualificação para poder ensinar ao nível superior. Tenho bastante interesse em ensinar já há algum tempo”, justificou.
Em alternativa, admitiu considerar explorar o interesse em línguas e dar aulas ou fazer traduções. Passou o confinamento em Londres porque “é mais fácil trabalhar e estudar” na cidade, mas assistir às aulas pela Internet e fazer os trabalhos em casa, o que implica ensaios e exercícios de canto, pode ser um desafio. “Uma vez bateram no tecto quando eu estava a estudar. No início foi difícil, tivemos de nos coordenar com os vizinhos que também estão a trabalhar de casa. Foi uma questão de coordenar horários, eles são muito compreensivos”, disse Inês Reis, divertida.
"Seria contraprodutivo” regressar
Para Daniel Davis, finalista de Doutoramento em composição na GSMD, o confinamento em Londres foi ideal e conveniente para poder terminar a escrita da tese. “Obrigou-me a ficar fechado em casa e concentrado, senão não sei se conseguiria acabar a tese a tempo. Ir ao parque, à escola, teatro ou cinema e outras distracções deixaram de existir e foi tudo focado na tese”, contou o lisboeta de 29 anos. Outra vantagem é que a defesa de tese será feita pela Internet. “Uma pessoa fica nervosa por estar na sala com os membros do júri. É mais relaxado fazer de casa, é menos intimidante”, acrescentou.
Porém, a pandemia resultou no cancelamento de vários concertos, workshops e residências este ano e antevê menos oportunidades de trabalho, mas acredita que em Londres terá mais do que em Portugal. “Fundações como a Gulbenkian têm um fundo que vão financiando o programa de actividades. Mas a bilheteira permite fazer mais projectos. Vai ser mais complicado porque, como não têm esses fundos, é mais complexo. A London Philharmonic Orchestra passou de um orçamento de 16 milhões de libras (18 milhões de euros) para seis milhões de libras (sete milhões de euros)”, exemplificou.
João Menezes, que terminou a licenciatura na GSMD em guitarra eléctrica, também decidiu ficar em Londres, apesar de as salas de concertos, onde esperava estar já a actuar este Verão, continuarem fechadas no Reino Unido. “Nesta altura tenho de me agarrar aquilo que me pode ajudar, que é dar aulas. Estou a dar muitas aulas online e algumas presenciais com distância de segurança ou o uso de máscara”, adiantou o sesimbrense de 27 anos à Lusa. Assumindo-se um realista, resumiu: “As coisas podem ser mais caras aqui, mas também se ganha muito mais dinheiro. Seria contraprodutivo acabar a licenciatura e ir embora porque conheci aqui muitas pessoas e ia sair do país que está a dar-me trabalho”.