O corpo “ideal” não combate o coronavírus

O Governo britânico adoptou uma nova estratégia que visa incentivar a perda de peso da sua população obesa numa tentativa de combater o novo coronavírus. Mas é essencial perceber que não existe um corpo “ideal”.

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Recentemente, o Governo britânico adoptou uma nova estratégia que visa incentivar a perda de peso da sua população obesa numa tentativa de combater o novo coronavírus e proteger o NHS, o sistema nacional de saúde britânico. No documento apresentado, a iniciativa Tackling obesity prevê instaurar no país medidas como: a catalogação de calorias nos menus de restaurantes/bares, a organização de campanhas para a promoção de perda peso, a criação de apps para regular o peso, etc. A introdução desta estratégia decorre no seguimento de alguns estudos apontarem para uma correlação entre o excesso de peso e possíveis complicações no estado de saúde das pessoas afectadas pelo coronavírus.  

Não obstante, este plano poderá trazer mais problemas e obstáculos na sua implementação do que se possa pensar. Em primeiro lugar, é necessário compreender que, apesar de existir um consenso científico da relação de causa-efeito entre a obesidade e doenças crónicas ou graves, outros estudos clínicos são inconclusivos sobre a melhoria do estado de saúde destes indivíduos como resultado da perda de peso.

Depois, as medidas de controlo e regulação calóricas previstas poderão constituir um risco para o desenvolvimento ou agravamento de patologias de distúrbios alimentares. Sem salvaguardas, o que foi projectado para ser útil num processo de gestão da massa corporal na população obesa poderá levar também a comportamentos obsessivos e perigosos tanto para a saúde física como mental dos britânicos.

Por fim, poderão estar em causa também problemas de ordem simbólica. Numa sociedade ocidental como a britânica, o excesso de peso é frequentemente visto como o reflexo de desordem pessoal e moral – um descuido e uma falta de trabalho em si mesmo. Poderá alegar-se que a constante preocupação com a gordura e o corpo se tem tornado num dos mecanismos de normalização mais poderosos do nosso século, em que o tamanho do corpo de uma pessoa é progressivamente equiparado ao seu valor pessoal e à aceitação social. Com efeito, a percentagem da população que tem excesso de peso ou que é considerada obesa insere-se no conjunto de pessoas que são classificadas como estando fora do padrão. Estas estão igualmente sujeitas a inúmeras pressões sociais (de médicos, pais, amigos e até estranhos) para se disciplinarem com o objectivo de atingirem o corpo “ideal” ou corpo “fit", como o Sr. Boris Johnson sugere.

A verdade é que este tipo de discurso produz e perpetua estereótipos em relação à gordura corporal, saúde e indivíduo. Ademais, a linguagem utilizada sugere uma necessidade em julgar e regular o corpo, transmitindo noções do que é certo e errado/normal e anormal e catalogando todos aqueles cujos corpos se encontram “fora da norma”.“Get the nation fit […]” e “Tackling the obesity time bomb” são exemplos deste tipo de discurso.                      

Concluindo, é essencial perceber que não existe um corpo “ideal”. Todos nós nascemos e crescemos com fisionomias e características diferentes, sendo todas estas válidas. Está na altura de nos preocuparmos com a saúde pública e quebrarmos os estereótipos. Uma alternativa às medidas previstas seria a criação de uma abordagem alusiva à aceitação e valorização das diversas formas físicas e ao envolvimento de estratégias de autocuidado para todas as idades e elementos da sociedade. 

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