Grupos vulneráveis e cuidadores terão prioridade no acesso à vacina contra a covid-19
Estratégia de vacinação vai depender das características da vacina contra a covid-19. Porém, grupos mais vulneráveis e cuidadores têm sempre prioridade.
A vacina contra a covid-19 "é uma luz que se começa a avistar ao fundo do túnel”, começou por destacar, durante a conferência de imprensa de actualização da situação da pandemia da covid-19 em Portugal desta sexta-feira, o secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, referindo-se à compra de 6,9 milhões de doses de vacinas em desenvolvimento contra a covid-19. A distribuição das primeiras 690 mil doses “deverá ocorrer a partir do final do ano”, mas o processo está “dependente da avaliação da Agência Europeia do Medicamento e da autorização da vacina a nível europeu”.
A estratégia de vacinação será posteriormente determinada pela Direcção-Geral da Saúde mas, afinal, quais serão os grupos com prioridade no acesso à vacina contra a covid-19?
Questionada sobre a priorização, a directora-geral da Saúde explicou que “estes grupos prioritários são definidos por especialistas em vacinação, doenças infecciosas, farmácia, em virologia, etc. e vão ter em primeira linha de consideração o tipo de vacina e as características dessa vacina”. “Nós temos que ler a ficha dessa vacina e saber a que grupos específicos é que ela se destina, nomeadamente grupos etários e grupos de risco por patologia”, afirmou.
Graça Freitas destacou que é também necessário averiguar “se há ou não eficácias distintas para diferentes grupos etários”. “Quando tivermos essa informação disponível então encontraremos as prioridades”, disse. No entanto, “há dois tipos de prioridades que são sempre estabelecidas: para os grupos mais vulneráveis — as pessoas que mais vão beneficiar das vacina serão as que vão ser vacinadas em primeiro lugar — e depois os cuidadores”. “É muito importante, quando se está numa epidemia, que os profissionais de saúde e outros cuidadores na área da saúde e na área social estejam saudáveis para poderem prestar cuidados. Portanto, vamos escalonando e, à medida que as doses vão chegando, vamos vacinando de acordo com esses critérios de prioridade”, acrescentou.
Relativamente à priorização dos doentes crónicos, a directora-geral da Saúde garantiu que as autoridades sabem exactamente “quais são as doenças que têm uma probabilidade maior de vir a influenciar um pior prognóstico para a covid-19”. “Ou seja, pessoas que têm determinadas doenças podem ter uma covid mais grave do que outras. O que não sabemos é em relação a cada uma das vacinas qual vai ser o seu perfil para uma determinada doença”, explicou. Graça Freitas deu ainda um exemplo: “As pessoas em maior risco são as pessoas imunossuprimidas, mas imaginemos que numa determinada vacina o factor imunossupressão não permite que a pessoa desenvolva anticorpos, então aí não vamos priorizar esse para o primeiro grupo.” Por outro lado, se uma determinada vacina for “muito eficaz nas pessoas com doença respiratória, então esse será o grupo prioritário”.
Quanto à questão das doses, Graça Freitas explicou que “isso tem a ver com o tipo de vacina” e “será estabelecido de acordo com a ficha de vacina”. “Muitas vezes, quando uma vacina é dada pela primeira vez, como é o caso da covid-19 porque nós nunca fomos vacinados contra este vírus, é necessário um reforço. Damos a primeira dose e cerca de 28 dias depois, por exemplo, damos uma segunda dose que funciona como reforço. Mas há outras vacinas que, pelas características da sua fabricação, já podem ter a capacidade de elas próprias, com uma única dose, darem imunidade. Depende, mais uma vez, do tipo de vacina e das características da vacina”, explicou, referindo, porém, que “obviamente é mais fácil ser apenas necessário uma dose”. “Mas às vezes é preciso [uma segunda], uma vez que nós não temos, à partida, imunidade nenhuma contra este vírus”, salientou.
Processo de aquisição “está a ser feito com muita antecipação”
O presidente do Infarmed, Rui Santos Ivo, que participou também na conferência de imprensa desta sexta-feira, explicou, por sua vez, que o processo de aquisição de vacinas contra o novo coronavírus está a decorrer a nível europeu, tratando-se de um “processo coordenado entre todos os Estados-membros e a Comissão Europeia” e que começou a ser desenhado “a partir de Junho numa reunião de ministros da Saúde onde se acordou esta estratégia” para que a União Europeia (UE) pudesse ter uma “resposta conjunta, de maneira a que haja equidade para todos os cidadãos da UE”.
“É um processo que está a ser feito com muita antecipação relativamente às próprias fases de desenvolvimento das vacinas e, portanto, temos que ter esse aspecto em atenção. Na realidade, o que está a ser feito desta forma conjugada entre os países e a Comissão Europeia é também apoiar o processo de desenvolvimento das vacinas, de produção e depois da sua disponibilização”, notou.
Rui Santos Ivo destacou três factores “muito importantes”: “um tem a ver com o tempo, quando é que vamos dispor das vacinas, o segundo tem a ver com as características dessas vacinas e depois há um terceiro que tem a ver com as próprias condições de acesso a essa vacina”.
“No fundo, o que este processo visa é criar um portefólio de opções que nos permitam dar respostas às estratégias nacionais de vacinação. Teremos que ter vacinas em determinados prazos, elas não vão surgir todas ao mesmo tempo, depois teremos vacinas de características diferentes, que poderão direccionar-se para grupos de população diferentes, e também teremos que ter condições em termos de quantidades e condições de fornecimento”, acrescentou.
É ainda “essencial” que as vacinas sejam avaliadas a nível europeu, pela Agência Europeia dos Medicamentos e pelas agências nacionais, sendo importante dispor de “dados de segurança e eficácia das vacinas”. “Teremos que ter o mínimo de informação que nos permita avançar para a sua utilização”, destacou.
Quatro processos de aquisição de vacinas em “fase mais avançada”
O presidente do Infarmed lembrou que estão em desenvolvimento 165 vacinas, de acordo com a informação da Organização Mundial da Saúde, 26 delas em fase clínica. “As que estão na fase 3 são aquelas que estão agora a ser objecto de negociação mais intensa a nível europeu. Como sabem, foram anunciados quatro processos que estão em fase mais avançada, com a Sanofi, a AstraZeneca, a Johnson & Johnson e, mais recentemente, a CureVac”, afirmou, salientando que “é muito importante que haja um conjunto de vacinas negociadas e disponíveis, não só em termos de quantidades, do momento em que essa vacina poderá vir a estar disponível (sempre após a avaliação da Agência Europeia de Medicamentos), mas também sabendo quais são as suas características”.
“Nessas negociações vamos ter os vários tipos de vacinas porque elas podem ter orientação mais preferencial para determinados grupos. Neste momento não temos essa informação ainda, mas iremos tê-la”, acrescentou, destacando que há vacinas de vectores virais, como é o caso da que está a ser desenvolvida pela AstraZeneca, as de nova tecnologia do RNA mensageiro, como a da CureVac, ou aquelas de base proteica, como a que está a ser desenvolvida pela Sanofi.
O objectivo é “dispor de quantidades provenientes de vários processos negociais”, com Rui Santos Ivo a esclarecer que a quantidade de doses anunciada na quinta-feira trata-se da “quantidade relativa ao primeiro contrato que foi concluído”. “Essa é uma primeira disponibilidade que é feita a toda a União Europeia e, neste caso, prevê uma alocação proporcional à população. Mas obviamente os outros processos estão em desenvolvimento e nós iremos acompanhá-los”, explicou, antecipando que segunda-feira deverá ser anunciado um outro processo de aquisição de vacinas contra a covid-19.
“Estamos a antecipar o processo no sentido de vir a dispor das quantidades necessárias para ir ao encontro àquilo que cada um dos países necessitará. Neste primeiro contrato, a UE negociou 300 milhões que são repartidos de determinada forma, mas ficou desde logo previsto que pode haver até doses adicionais. Poderemos sempre procurar essas doses adicionais, mas isso vai ter que ser feito tendo em atenção os outros contratos que estão a ser negociados. Iremos também dispor de quantidades não só de outras companhias, como de outro tipo de vacinas”, acrescentou, mais tarde, Rui Santos Ivo.
“Este é um processo gradual. A primeira decisão que foi tomada foi relativamente ao contrato que está fechado. Assim que os outros contratos forem fechados haverá também decisões sobre eles e nós iremos dispor de um leque de opções que nos permitirão depois articular com as diferentes necessidades dos grupos populacionais e iremos também, mais à frente, ter mais informação sobre as doses”, garantiu o presidente do Infarmed, salientando que os resultados dos estudos da terceira fase dos ensaios clínicos das várias vacinas deverão ser divulgados “mais à frente”.
Vacina contra a covid-19 será obrigatória?
A propósito de a vacina contra a covid-19 poder vir a ser obrigatória, Graça Freitas explicou que “essa decisão não está fechada”. “A legislação portuguesa permite que em situação de epidemia e para defesa da saúde pública uma vacina possa ser obrigatória mas, mais uma vez, eu creio que esta decisão também terá de depender de uma análise profunda da sociedade, não só do sector da Saúde, mas também das características da vacina”, afirmou.
“Se a vacina for muitíssimo eficaz e o valor acrescentado para a saúde pública for muito grande pode ser considerada uma metodologia de obrigatoriedade de vacinação. Se for uma vacina com um grau de eficácia menor e o valor para a saúde pública também for menor, poderá ser ponderada outra opção”, explicou a directora-geral da Saúde, acrescentando que “se for necessário e assim for entendido” as pessoas poderão ser obrigadas a tomar a vacina. “Mas teremos que saber as características da vacina, o valor acrescentado para a saúde pública, a sua protecção, eficácia, segurança e qualidade para depois podermos com maturidade tomar essa decisão”, concluiu.