A covid-19 também mudou o dia que une o Minho em romaria

A celebração da figura de Maria nas várias romarias que adornam a região está mais contida neste 15 de Agosto. Com as procissões proibidas devido à covid-19, resta aos católicos da região viverem a sua devoção em iniciativas onde se possa assegurar o distanciamento, como as missas campais.

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Na Póvoa de Varzim, a procissão da Senhora da Assunção foi, como muitas outras, cancelada

O 15 de Agosto é sinónimo de romaria para quem é católico e celebra a Assunção de Maria, dogma solenemente estabelecido pelo Papa Pio XII, em 1950. Portugal elevou o dia a feriado nacional em 1952, mas o culto mariano em solo luso perde-se no tempo e multiplica-se pelo espaço. É, porém, no Minho, que as romarias mais entranhadas estão na vida das comunidades. “O Minho é a zona onde há mais festas e romarias. E, normalmente, têm importância na vida das pessoas”, diz ao PÚBLICO Albertino Gonçalves, sociólogo do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho (UM).

Neste ano, porém, a devoção será mais silêncio e reserva do que burburinho e azáfama. A culpa é da pandemia. Actividades passíveis de “forte propagação” do novo coronavírus, como peregrinações, procissões, festas e romarias estão “suspensas”, segundo as normas acordadas com a Direcção-Geral de Saúde em 8 de Março, avança ao PÚBLICO o porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, Manuel Barbosa.

O mais imponente santuário em honra de Nossa Senhora da Assunção no noroeste português encontra-se no Monte Córdova, em Santo Tirso. Ela é a padroeira do concelho devido a uma imagem no Mosteiro de São Bento que originou o culto, refere Luís Mateus, pároco de Santo Tirso desde 2016 e presidente da Irmandade de Nossa Senhora da Assunção desde 2016.

A procissão matinal entre a capela antiga e o templo concluído na década de 30 do século XX, com um único andor, junta habitualmente “centenas de crentes” que sobem o monte a pé, diz o padre. Não é assim neste 15 de Agosto; a celebração vai-se resumir à missa campal, às 9h. Mesmo sem as cerimónias e o bulício de anos anteriores, até porque os feirantes não podem lá estar e os emigrantes na cidade são menos, o santuário vai receber até 25 pessoas de cada vez, para “estarem em oração, pagarem as suas promessas e depois saírem”, explica Luís Mateus.

Devoção no mar e na terra

A imagem de Nossa Senhora da Assunção também congrega a Póvoa de Varzim, onde o mar se estende, amplo, até ao horizonte. “A devoção à Nossa Senhora na Póvoa remonta pelo menos a 1772, quando foi edificada a Igreja da Lapa”, afirma ao PÚBLICO o padre Nuno Rocha, responsável pela paróquia da Lapa desde 2006. Nas tardes de 15 de Agosto, costumam sair à rua nove andores – um deles suportado por 18 pessoas – para uma procissão com “típicos tapetes de rua”, que decorre entre “duas paredes enormes de pessoas” que assistem à cerimónia, descreve o pároco. “Já tivemos anos com dezenas de milhares de pessoas”, reitera.

Em 2020 , a festa tem de se conter; as celebrações de sábado resumem-se à eucaristia solene no interior do templo, às 11h, com um tapete no adro. A Nossa Senhora de Assunção é também a padroeira dos pescadores, sendo habitualmente “saudada com milhares de foguetes” na parte final da procissão, esclarece Nuno Rocha.

Mas a procissão da Lapa não é a única celebração em que a comunidade piscatória da Póvoa de Varzim celebra a imagem de Maria. Crentes desses lugares ancorados no mar faziam-se ao caminho para venerarem a Nossa Senhora da Abadia, num recanto verde do concelho de Amares, já próximo do Gerês. “Vêm muitas pessoas da Póvoa de Varzim, de Vila do Conde e de Esposende. As pessoas ligadas ao mar e às pescas têm muita fé na Senhora da Abadia”, conta ao PÚBLICO o presidente da Confraria da Nossa Senhora da Abadia, Carlos Portela.

Os mais antigos ex-votos – objectos entregues pelos devotos para pagamento de promessas - à vista no museu do santuário datam do século XVII e provêm dessas paragens, acrescenta um outro membro da confraria, Manuel Gouveia Fernandes, sobre um culto que remonta ao século XII, quando uma imagem de Maria terá aparecido naquele lugar.

Nove séculos depois, a romaria celebra-se entre 06 e 15 de Agosto. A procissão na tarde do último dia é o “ponto alto” da romaria, mas, neste ano, a celebração resume-se a uma missa campal, às 11h, sem o movimento dos andores, nem as barracas que “davam algum rendimento” à Confraria, com as suas vendas, informa ainda o presidente.

Mais a Norte, Valença celebra a Nossa Senhora do Faro. A cada 15 de Agosto, um único andor deixa a Igreja de Santo Estêvão, no interior da fortaleza, às 8h, e percorre quase oito quilómetros à capela do Monte Faro, às 11h. “A peregrinação junta pelo menos 2.500 pessoas a cada ano”, conta José Maria do Vale, pároco de Valença há 39 anos. Neste ano, a imagem mariana não desceu à cidade e vai ser homenageada com uma missa campal junto à capela, às 11h. “Mesmo sem procissão formal, muita gente vai tomar a iniciativa de ir em família ou noutros grupos à missa”, antevê.

“Momentos altos da vida colectiva”

As romarias de 15 de Agosto incluem-se entre as celebrações religiosas que, no Verão, são “momentos altos da vida colectiva” nas comunidades minhotas, salienta Albertino Gonçalves. “As festas são o momento onde a comunidade se enlaça mais”, observa o sociólogo. As festas de Verão definem-se pela “exuberância”, até porque as pessoas têm, historicamente, mais dinheiro nessa altura do ano. “Festas de outras datas foram deslocadas para o Verão. Isso também se fez por causa dos emigrantes”, explica.

A covid-19 tem assim um impacto “económico e social”, mas também “simbólico” nas comunidades que vêem as suas romarias transfiguradas. “O simbólico, por vezes, causa mais danos nas pessoas do que o económico”, sugere o investigador da UMinho.

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