Governo polaco recua na questão da violência contra as mulheres
O ministro da Justiça anunciou no sábado a saída da Polónia da Convenção de Istambul, mas o partido no poder disse que nenhuma decisão foi tomada. Comissão Europeia e Conselho da Europa mostraram-se alarmados com o possível abandono.
A Polónia pode manter-se como signatária da Convenção de Istambul, tratado internacional sobre a violência contra as mulheres. O ministro da Justiça polaco, Zbigniew Ziobro, anunciou no sábado que ia formalizar a saída esta segunda-feira, mas o Partido Lei e Justiça (PiS) desautorizou-o em público, dizendo que nenhuma decisão foi tomada, horas depois de a Comissão Europeia e o Conselho da Europa mostrarem preocupação.
“Não foram tomadas decisões. Esta não é a nossa posição comum”, disse no domingo a porta-voz do PiS, Anita Czerwinska, citada pela Reuters. “O ministro tem uma ideia. Se ele a submeter, vamos analisá-la”.
Há muito que o PiS é um acérrimo crítico da Convenção de Istambul, tendo defendido o seu abandono, e o anúncio inicial de saída foi feito na semana passada pela ministra da Família, do Trabalho e de Políticas Sociais polaca, Marlena Malag. A ministra faz parte do PiS e as suas palavras fizeram com que duas mil pessoas, a maioria mulheres, marchassem, na sexta-feira, em Varsóvia, acusando o executivo de querer “legalizar a violência doméstica”.
Tudo indica que uma das principais razões para a desautorização do ministro foi a pressão e desagrado exercidos pelo Conselho da Europa, instituição fundamental na promoção da Convenção de Istambul, e pela Comissão Europeia. As declarações da porta-voz do PiS estão a ser encaradas como um recuo, mas nada garante que não seja momentâneo, uma vez que as críticas não impediram no passado a transformação do sistema político e judicial pelo partido.
“Abandonar a Convenção de Istambul seria muito lamentável e um enorme passo atrás na protecção d mulheres na Europa”, disse a secretária-geral do Conselho da Europa, Marija Pejcinovic Buric. “Se há algum conceito errado ou mal-entendido, estamos disponíveis para os esclarecer num diálogo construtivo”.
Por sua vez, a Comissão Europeia disse à AFP “lamentar que um assunto tão importante tenha sido distorcido com argumentos enganosos em alguns Estados-membros”. E os críticos polacos acusaram o PiS de estar disposto a sacrificar a segurança das mulheres em prol da sua visão das tradições católicas, diz a Associated Press.
A Polónia assinou a Convenção de Istambul em 2012, e ratificou-a em 2015, pouco antes de o PiS chegar ao poder com maioria. O tratado é o primeiro instrumento que vincula os 27 Estados signatários da União Europeia a implementar medidas que previnam a violência contra as mulheres, considerada pelas Nações Unidas como pandemia invisível.
Há muito que a Convenção tem acérrimos opositores na Polónia, o único país do Grupo de Visegrado (Hungria, República Checa, Eslováquia) a subscrevê-la, e o ministro da Justiça, Zbigniew Ziobro, tem sido um dos principais críticos. Em 2015, considerou a Convenção uma “invenção, uma criação feminista dedicada a justificar a ideologia gay” e, este sábado, voltou a usar a mesma narrativa para defender a saída: a de o tratado internacional ser “prejudicial” para o povo polaco, por “conter elementos de natureza ideológica” e promover o “chamado género sócio-cultural em oposição ao sexo biológico”.
“Também rejeitamos o elemento LGBT de promoção de relações familiares, uma visão propagada por activistas de esquerda ou círculos homossexuais que querem transformar as suas crenças em lei”, disse o ministro da Justiça, acrescentando que o sistema jurídico polaco já tem todos os mecanismos necessários para proteger as mulheres.
As transformações do sistema político e judicial levadas a cabo pelo Governo do PiS nos últimos anos têm soado os alertas em várias capitais europeias e este passo está a ser encarado como sinal do que se pode vir a esperar no futuro próximo. É que o Governo viu a sua agenda sair reforçada nas últimas presidenciais, consideradas as mais importantes para o futuro da Polónia.
O Presidente Andrezj Duda, aliado do PiS, venceu as eleições de há duas semanas com uma campanha ultra-conservadora e contra a “ideologia de género” e, ao assumir um segundo mandato, o PiS pode avançar sem obstáculos com medidas legislativas. A coligação governamental detém a maioria no Sejm e o Presidente não deverá vetar as suas propostas legislativas.