Salgado terá corrompido altos quadros do BES com milhões de saco azul
Só por uma das contas, na Suíça, da Espírito Santo Enterprises passaram perto de três mil milhões de euros sem que ninguém pedisse explicações ou comunicasse práticas suspeitas.
O antigo banqueiro Ricardo Salgado é suspeito de ter usado pelo menos duas empresas que funcionavam como um saco azul do Grupo Espírito Santo (GES) para corromper 12 pessoas, a maioria altos quadros do Banco Espírito Santo, que receberam entre algumas dezenas de milhares de euros e alguns milhões de euros, para integrarem uma estrutura fraudulenta dentro daquela instituição de crédito, que conseguiu segurar durante cinco anos um grupo falido.
A par da já conhecida Espírito Santo Enterprises, uma offshore constituída em 1993 nas ilhas Virgens Britânicas, surge na acusação uma outra sociedade criada 20 anos mais tarde no mesmo paraíso fiscal, a Alpha Management, que, como a primeira,” foi deliberadamente omitida nos organogramas do GES”.
A primeira terá sido criada com o conhecimento de vários membros da família com o objectivo de fazer pagamentos a esses elementos do conselho superior e a administradores das empresas de topo do grupo. Mas, na tese da acusação, o seu uso terá sido subvertido a determinada altura pelo homem que se assumiu como a figura central do banco e do grupo com o mesmo nome. “Ricardo Salgado fez repercutir no valor dos prémios pagos a remuneração dos actos ilícitos que ordenou, graduando a lealdade e a importância dos agentes executores dos crimes de que foi o mandante”, lê-se na acusação.
Os sete procuradores que assinam o documento com mais de 4100 páginas, não excluem a possibilidade de haver membros do conselho superior que estivessem a par da estratégia, mas admitem que não conseguiram encontrar provas disso. “Sem que se tenha apurado o conhecimento dos demais membros do conselho superior, Ricardo Salgado usou a Enterprises para um sistema dissimulado de pagamento de dinheiro a um conjunto de sujeitos que se dispuseram a alinhar com os interesses que estrategicamente definiu”.
Um dos responsáveis do BES que mais beneficiaram das transferências feitas através da Enterprises foi o antigo braço direito de Salgado, Amílcar Morais Pires, que subiu em Março de 2004 à comissão executiva do banco, na qual assumiu o pelouro financeiro. “Entre 5 de Agosto de 2008 e 20 de Dezembro de 2012, Amílcar Pires recebeu em contas bancárias de que foi titular e em contas bancárias de que foi beneficiário efectivo (em nome da Allanite Ltd) 5.925.080 euros”, contabiliza o Ministério Público.
A mesma sociedade recebeu, numa conta do Credit Suisse em Novembro de 2013, uma verba de 1,5 milhões de euros, desta vez feita através da Alpha Management. O Ministério Público faz notar que este valor “ultrapassa o tecto salarial que o conselho superior fixara para os accionista de topo do grupo”, nesse ano, no valor de 1,1 milhões de euros.
O núcleo duro que fazia parte da “associação criminosa” que Salgado terá liderado está maioritariamente associado ao departamento financeiro, de mercados e estudos do BES, que assumiu uma função central nos esquemas desenvolvidos. Quem apresenta igualmente um lugar de destaque neste âmbito é Isabel Almeida, que chefiou durante mais de uma década esse departamento, e António Soares, que também por lá passou, tendo mais tarde acumulado o cargo de direcção com a administração financeira do BES Vida.
Os dois receberam elevadas quantias tanto através da Enterprises, como da Alpha Management. Isabel Almeida, contabiliza a acusação, recebeu entre Janeiro de 2008 e finais de 2012 perto de 2,2 milhões de euros “em contas tituladas por si, em Portugal e no estrangeiro, e em contas tituladas pelas suas filhas, menores à data, marido e pais”. E, em Novembro de 2013, embolsou, através da Alpha, mais 600 mil euros. Na mesma altura, António Soares recebeu da mesma offshore 330 mil euros que se juntaram a 975 mil euros recebidos entre 2009 e 2012 por intermédio da Enterprises.
No rol de beneficiários dos dois sacos azuis também constam múltiplas pessoas que não são arguidas ou acusadas no caso, como a secretária do antigo banqueiro, que recebeu perto de meio milhão de euros.
O próprio Ricardo Salgado recebeu 6,3 milhões de euros desta offshore que controlava, dois milhões dos quais devolveu em 2012, em movimentações que já aparecem referidas na Operação Marquês, em que o Ministério Público acusa o banqueiro de se ter apropriado de 10,7 milhões de euros provenientes do grupo que dirigia.
A Enterprises, realça o Ministério Público, movimentou apenas numa das suas contas, no Banque Privée Espírito Santo, praticamente três mil milhões de euros, sem que ninguém pedisse explicações ou comunicasse práticas suspeitas. “O que se justifica pelo domínio de facto que Ricardo Salgado exercia sobre esse banco suíço”, justifica o Ministério Público. “A contrapartida da grande maioria dos pagamentos que foram feitos pela Enterprises foi lançada em rubricas (…) que não evidenciam individualmente os destinatários desses pagamentos, no intuito de proteger, mantendo oculta, a relação de destinatários.”
A liquidez necessária para as transacções, diz a acusação, “foi suportada pelo BES e pelo património dos seus accionistas, através das operações projectadas com as sociedades de investimento Eurofin em torno da venda fraudulenta de obrigações do banco aos seus clientes, de onde resultaram mais-valias em dinheiro desviadas para a Enterprises”, refere a acusação.
O PÚBLICO contactou a defesa de Ricardo Salgado e a de Morais Pires, mas a primeira remeteu para um comunicado emitido esta terça-feira em que os advogados do antigo banqueiro recusam a prática de qualquer crime por parte do cliente e a segunda não fez chegar nenhum comentário em tempo útil.