Covid-19: OMS diz que “há demasiados países a ir na direcção errada”
O aumento mundial de casos está a dever-se a poucos países, diz a OMS sem os nomear. EUA, Brasil e Índia têm tido grande crescimento na transmissão.
O número de infecções pelo SARS-CoV-2 no mundo não dá sinal de parar de aumentar e muitos governos estão a contribuir para o problema, disse esta segunda-feira o director-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus: “Deixem-me ser directo: há demasiados países a ir na direcção errada”, declarou.
“O vírus continua a ser o inimigo público número um, mas as acções de muitos governos e pessoas não reflectem isso”, disse ainda o responsável, acrescentando que “se não forem seguidas as medidas básicas, o que vai acontecer a esta pandemia é ficar muito, muito, muito pior”. No entanto, sublinhou, “não tem de ser assim.”
Tedros Adhanom Ghebreyesus falava depois de na véspera a OMS ter confirmar um recorde no aumento diário do número de casos de infecção — mais 230.370 em 24 horas.
O director-geral da OMS teve ainda algumas palavras para os confinamentos que vão sendo reintroduzidos. “Temos de chegar a uma situação sustentável em que temos controlo adequado do vírus sem ter de parar totalmente as nossas vidas”, disse. Andar “de confinamento em confinamento tem um impacto extremamente negativo nas sociedades”, opinou.
O responsável notou ai que há países que estão a contribuir de modo muito claro para o aumento: “Ontem [domingo], foram reportados à OMS 230 mil casos de covid-19. Quase 80% destes casos vieram de apenas dez países, e 50% de apenas dois”, notou, não dizendo que dois países eram esses.
Segundo os dados da Universidade John Hopkins, os EUA, a Índia e o Brasil tiveram juntos mais de 112 mil novos casos no domingo.
Nos EUA há vários estados em situação precária, dos quais se destaca a Florida, onde se registaram 15.299 novas infecções pelo SARS-CoV-2, o maior aumento diário desde o início da pandemia (o anterior recorde era de Nova Iorque, a 15 de Abril, com 11.571 novos casos). Esta segunda-feira, a Florida ficou de novo acima do número de Nova Iorque, com mais de 12.600 novos casos, embora menos que na véspera.
A Índia está a surgir como um caso especialmente preocupante, com aumentos muito rápidos em algumas zonas a par de uma grande desconfiança nos números já que não há uma autoridade de Saúde central nem registos de óbitos.
Segundo a emissora Al-Jazeera (com sede no Qatar), os dados oficiais mostram que 43% por mortos tinham entre 30 e 60 anos mas como aponta o epidemiologista Jayaprakash Muliyil, da Universidade Católica de Vellore, tendo em conta que se sabe que o vírus é mais letal para pessoas mais velhas, muitas mortes entre idosos indianos não estão a chegar ao conhecimento das autoridades ou não estão a ser contabilizadas, diz.
O quadro no país de mais de mil milhões de pessoas é variado. O estado de Kerala, por exemplo, foi elogiado pelo modo como reagiu após terem sido aí reportados os três primeiros casos de covid-19 da Índia — isolou doentes, encontrou contactos e pô-los em quarentena, e levou a cabo uma política abrangente de testes. Já as autoridades do estado de Deli, que inclui a capital, têm sido criticadas por não antecipar um aumento dos casos nas últimas semanas à medida que as medidas de confinamento foram sendo relaxadas.
Um artigo da Foreign Policy sobre o coronavírus na Índia notava que além dos problemas de registo de causas de morte, relutância em considerar vítimas de covid-19, e poucos testes em geral, poderá haver outra razão para o número de mortes estar a ser relativamente baixo na Índia: o espaço de tempo que a doença leva desde que a infecção é contraída até que aparecem sintomas e o tempo que estes levam até serem graves. “Pode acontecer que a região esteja ainda numa fase mais atrasada e se for assim, poderá ter em breve um grande aumento.”
A América Latina continua, por outro lado, a sobressair em número de casos, com mais de 3 milhões de infectados, a maioria no Brasil, onde a média diária de mortes é neste momento mais do que mil.
A situação piorou de modo marcado no México, onde o aumento de mortes confirmadas por covid-19 ultrapassou as 35 mil pessoas, fazendo com que o país seja, agora, o quarto país com mais mortes pela doença do mundo (a seguir aos EUA, Brasil e Reino Unido), e ultrapassando a Itália, o primeiro país ocidental a ser duramente afectado pelo coronavírus.
As notícias de Itália continuaram, entretanto, a melhorar, com o número de casos diários confirmados a descer abaixo dos 200: esta segunda-feira registaram-se 169 novos casos e 13 mortes.
O Reino Unido mantém uma situação preocupante. O ministro da Saúde, Matt Hancock, veio dizer num artigo no Telegraph que há mais de cem surtos a ser seguidos, de modo “rápido e silencioso”, pelas autoridades de saúde, quando alguns casos chegam às notícias, como os surtos em empresas de produção e processamento de vegetais, com 200 trabalhadores de uma delas actualmente em isolamento depois de 73 trabalhadores terem tido resultado positivo no teste do SARS-CoV-2. No mês passado, lembra o Guardian, foram registados 45o casos de infecção em quatro fábricas ligadas a alimentação, aumentando a preocupação com este tipo de locais.
Já em Espanha, outro país europeu duramente afectado, os números da Catalunha - 301 novos casos esta segunda-feira, quando no domingo tinham sido 816 novos casos num só dia — levaram a Generalitat a um braço de ferro com um tribunal que decretou que um confinamento para o epicentro do surto, Lleida, era ilegal. Apesar da decisão do Tribunal, o líder catalão Quim Torra diz que vai decretar o confinamento.
Por outro lado, imagens de festas sem distância física e com um grande número de pessoas durante o fim-de-semana em Mallorca levaram a avisos não só das autoridades espanholas mas também alemãs: o ministro da Saúde, Jens Spahn, alertou para o perigo de contágio também no regresso dos turistas aos seus países.
De Genebra, o director-geral da OMS quis, no entanto, deixar uma última mensagem a todos os países — até aos que estão a atravessar um crescimento descontrolado dos casos. “Nunca é tarde para controlar o vírus, mesmo em casos de transmissão explosiva”, garantiu.