Regresso a 1993: já podemos ver os Sonic Youth no Campo Pequeno outra vez
O primeiro concerto da banda nova-iorquina em Portugal, que decorreu a 14 de Julho daquele ano, teve um bootleg semi-oficial em 1995. Por iniciativa da banda, o vídeo é lançado esta sexta-feira no YouTube.
14 de Julho de 1993. José Pinheiro estava no Campo Pequeno a filmar desde manhã. Realizador do Popoff, o programa de música da RTP2, já tinha captado os concertos das bandas que nesse dia assegurariam a primeira parte da actuação dos Sonic Youth, os Lulu Blind de Tó Trips e os We Want Electricity de João Paulo Feliciano (uma versão aumentada dos Tina and the Top Ten). Ficou à espera de que lhe dissessem que temas dos cabeças de cartaz poderia registar, como é normal nos concertos, mas tal momento nunca chegou. Com a mesa de mistura ligada à câmara, mais dois microfones a captarem o som, filmou o concerto inteiro, que viria a sair, dois anos depois, numa espécie de bootleg semi-oficial lançado pela Moneyland Records, editora de Feliciano.
Blastic Scene, o bootleg de 1995 que junta o som estéreo da mesa de mistura ao dos microfones, foi relançado em Maio no Bandcamp, no âmbito de uma reorganização do catálogo e de raridades da banda que fechou actividade em 2011, o Sonic Youth Live Archive. A mistura e a masterização são de Rafael Toral, que viria a colaborar com vários membros dos Sonic Youth, tendo também lançado música pela Ecstatic Peace!, a editora de Thurston Moore, com a ajuda de João Paulo Feliciano. A capa parte de uma fotografia de Pedro Fradique, hoje programador do Lux-Frágil, com design de Mário Feliciano, usando um tipo de letra criado pelo seu irmão João Paulo.
Agora, é a gravação vídeo do concerto, resultado da junção de duas cassetes Betamax feitas de dois planos-sequência, que fica disponível – chega esta sexta-feira, às 20h, ao YouTube, sob o título Live at Campo Pequeno Lisboa 1993. “Com esta história de andarem a arranjar o catálogo, eles voltaram a tropeçar nisto. O filme já tinha sido mostrado uma vez em Nova Iorque, outra na Culturgest e no Lux”, conta ao PÚBLICO José Pinheiro, que diz só ter tido contacto directo com a banda no final do último ano.
A gravação não está completa, acrescenta: “Tem a duração de duas cassetes, falta um resto final, nunca tive a certeza se o tenho gravado ou não.” Em cena, a formação clássica dos Sonic Youth: Thurston Moore, o guitarrista-vocalista, vestido com uma t-shirt dos Lulu Blind ("fuckin’ Lulu Blind”, diz ele a dada altura), ao lado de Kim Gordon, no baixo e na voz, de Lee Ranaldo, na guitarra e na voz, e de Steve Shelley, na bateria.
Este último, Steve Shelley, é quem tem estado mais activo a organizar os arquivos dos Sonic Youth. “Este ano, como a pandemia nos forçou a parar de viajar e tocar ao vivo, comecei a trabalhar no Sonic Youth Live Archive, a construí-lo num site que era novo para mim. Foi crescendo enquanto a pandemia continuava e incluir o Blastic Scene foi uma decisão fácil”, conta ao PÚBLICO por email.
Na altura, explica o baterista, foi uma “grande surpresa” o CD "soar tão bem como soa”. Tornou-se, então, um dos primeiros bootlegs semi-oficiais da banda (“Gravações de que gostávamos, mas que por uma razão ou outra decidimos não lançar pelos canais normais em cujo lançamento nos envolvemos”), algo que sempre encorajaram, diz, “como fãs de bootlegs e gravações feitas pelos fãs”, pedindo sempre “uma cópia” a quem as gravasse.
Blastic Scene é um documento da banda em 1993, um ano antes do lançamento de Experimental Jet Set, Trash and No Star, que fez 26 anos em Maio. “Eles olharam para o concerto, para as imagens, e acharam-se muito bem. Ficaram surpreendidos consigo mesmos, há ali uma conjugação, segundo eles, entre eles, a luz e eu. Acham que está maravilhoso e espelha muito bem um momento muito interessante, um concerto em que quase nenhumas músicas eram conhecidas, porque ainda não tinham saído”, conta José Pinheiro.
Para a banda, terá sido um concerto especial, continua, porque nesse ano estavam a tocar menos vezes. “Portugal era um dos últimos países europeus” que lhes faltava visitar, partilha Steve Shelley. “Foi memorável, tocar numa praça de touros foi definitivamente uma estreia para nós, e conhecer novos amigos com afinidades em Lisboa foi especial. Ter sido tão bem gravado e filmado foi um bónus”, comenta. “Estávamos a meio de uma digressão de festivais de Verão e esse concerto era o nosso próprio concerto, um alívio no meio de actuações abreviadas e de partilhar o palco em festivais”, continua. “Era excitante vir tocar a Portugal e visitar o país pela primeira vez e exótico actuar numa arena de touros, afinal muito mais pequena do que eu estava à espera.” Para José Pinheiro, a dimensão era diferente. “Foi extraordinário, aquilo estava cheio, um ambiente incrível, para mim e muitos outros não é tão pequeno assim.”