Defesa de Salgado acusa BdP de ser “desleal e desonesto” na condenação por branqueamento

Juiz Sérgio Sousa marcou a leitura da sentença para o próximo dia 2 de Setembro, dada a extensão do processo e a “necessidade de revisitar a prova documental e testemunhal”

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LUSA/PAULO CUNHA

A defesa de Ricardo Salgado na contestação à coima aplicada pelo supervisor por violação de normas de prevenção de branqueamento de capitais acusou hoje o Banco de Portugal (BdP) de ter sido “desleal e desonesto” na forma “como construiu o processo”.

Nas alegações finais no julgamento dos recursos interpostos no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, pelo antigo presidente do BES Ricardo Salgado e pelo ex-administrador Amílcar Morais Pires, Adriano Squilacce afirmou que a decisão do Banco de Portugal é um “chorrilho de generalidades”, sem qualquer imputação concreta.

Segundo o advogado de Ricardo Salgado, o BdP “carregou” para o processo uma enorme quantidade de ficheiros informáticos e relatórios que “espelham a existência de mecanismos de controlo”, tendo imprimido apenas os que “queria” e construindo uma acusação “vaga” e com recurso sistemático a “copy paste”.

Squilacce afirmou que o BdP teve conhecimento dos relatórios que usou no processo para acusar “à data dos factos”, sem que na altura eles tenham dado origem a qualquer contra-ordenação.

O advogado voltou a invocar o parecer de José de Faria Costa, que juntou ao processo, no qual o especialista em direito penal considera que as decisões com intervenção do governador do BdP, Carlos Costa, devem ser anuladas, tendo em conta as declarações públicas que proferiu, antes da instauração e decisão sobre processos contra-ordenacionais, “sobre os actos de gestão financeira – e até mesmo sobre a idoneidade de os praticar -” de Ricardo Salgado.

O parecer do ex-Provedor de Justiça (entre Julho de 2013 e Novembro de 2017) considera que as declarações feitas por Carlos Costa na conferência de imprensa da resolução do Banco Espírito Santo (BES), em Agosto de 2014, e nas entrevistas ao Expresso (em Fevereiro e Março de 2016) e ao PÚBLICO (em Março de 2017) não lhe dão a “equidistância exigida entre o julgador e o arguido” e “destroem a aparência de imparcialidade que deve ter o julgador”.

Nas suas alegações, o mandatário do BdP, Pedro Pereira, refutou o parecer de Faria Costa, reafirmando a “absoluta isenção” do supervisor e assegurando que as decisões do conselho de administração são colegiais, não sendo os seus membros condicionados por declarações do governador.

“É ao tribunal que compete a decisão final sobre a aplicação das contra-ordenações”, disse.

Adriano Squillace alegou que Ricardo Salgado era administrador e não gestor do banco, tendo, por isso, uma visão de conjunto e não conhecimento pormenorizado de cada área, em particular de uma tão específica e complexa como é a ‘compliance’.

Num grupo que estava presente em 14 países, com 26 filiais e subsidiárias, e no qual detinha sete pelouros, Salgado tinha que delegar actos e responsabilidades, argumentou, sublinhando que cumpriu a sua função ao dividir tarefas e criar estruturas para, no concreto, cumprirem as imposições legais, como a garantia do cumprimento das normas de prevenção de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.

Segundo o advogado, em todas as quatro unidades visadas no processo – Angola, Cabo Verde, Macau e Miami – existiam sistemas de controlo e ocorriam auditorias internas e, disse, as deficiências que foram sendo detectadas revelavam a necessidade de melhorias, mas nunca foram reportadas quaisquer ilegalidades.

Na decisão do BdP, de Maio de 2017, Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires, António Souto e o BES foram condenados pela não aplicação de medidas de prevenção de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo nas sucursais e filiais do banco em Angola, Cabo Verde, Miami e Macau.

Numa primeira sentença do TCRS sobre os pedidos de impugnação apresentados por Ricardo Salgado e Morais Pires, de Dezembro de 2017, a acusação do BdP foi anulada, tendo o juiz Sérgio Sousa dado razão à alegação de preterição do direito de defesa.

Contudo, por decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, para o qual recorreram o BdP e o Ministério Público, a sentença do TCRS foi revogada e determinado o prosseguimento dos autos, o que aconteceu, com o julgamento a iniciar-se em Outubro último.

O juiz Sérgio Sousa marcou a leitura da sentença para o próximo dia 2 de Setembro, dada a extensão do processo e a “necessidade de revisitar a prova documental e testemunhal”, tendo em conta a paragem imposta pela pandemia da covid-19 (desde o início de Março) e a quantidade de serviço actualmente distribuído ao TCRS.