A luta pelo clima está a entrar nos tribunais?
A urgência das alterações climáticas tem levado a que grupos de activistas abram processos nos tribunais contra empresas e governos. Há já casos em que saíram vencedores.
Perante o ritmo lento das negociações internacionais sobre o clima, cada vez mais advogados, desde a Suíça a São Francisco, abrem processos a exigir acção. E estão a tornar-se criativos — usando novos argumentos legais para desafiar empresas e governos perante os juízes.
Há duas décadas, poucos processos relacionados com o clima tinham sido abertos a nível mundial. Hoje, esse número é de 1600, incluindo 1200 apenas nos Estados Unidos, de acordo com dados divulgados na sexta-feira pela London School of Economics (LSE).
“Os tribunais são um espaço cada vez mais importante na resposta ao problema das alterações climáticas”, disse à Reuters Hari Osofsky, reitora da Penn State Law e da Penn State School of International Affairs, na Pensilvânia.
Os activistas climáticos já estão a ver vislumbres de sucesso. Nos Países Baixos, em Dezembro, o Supremo Tribunal do país deu razão às exigências da campanha da Urgenda e ordenou ao Governo holandês que actuasse mais rapidamente na redução das emissões de carbono.
E, em Janeiro, um juiz na Suíça absolveu uma dúzia de manifestantes pelo clima da acusação de invasão de propriedade, feita depois de o grupo ter encenado um jogo de ténis dentro de uma sucursal do Credit Suisse em 2018 para chamar atenção para os empréstimos do banco à indústria dos combustíveis fósseis.
Os advogados de defesa argumentaram que as acções foram compelidas pelo “perigo iminente” das alterações climáticas. A deliberação foi aplaudida de pé no tribunal. “Foi uma decisão excepcional”, disse uma das advogadas de defesa, Aline Bonard, à Reuters. Até porque, dado que os manifestantes admitiram a invasão, “a infracção é inegável”.
Casos como estes sugerem que pode estar a mudar a forma como as pessoas encaram o papel do poder judicial na mediação de casos relacionados com alertas para as alterações climáticas. Agora, “é inevitável que haja uma nova onda de procedimentos legais que usem uma argumentação semelhante”, disse Bonard.
Novas tácticas legais
Apesar de ainda serem raras decisões que obrigam os governos a cortar emissões, os advogados ainda crêem que pode ser promissor apontar o alvo às grandes empresas poluidoras. Casos semelhantes no passado tendiam a acusar as centrais eléctricas a carvão ou o Governo por falharem na limitação das emissões; os processos actuais têm por base argumentos como as protecção dos consumidores e os direitos humanos.
Esta mudança tem sido especialmente relevante nos Estados Unidos, onde mais de uma dúzia de casos abertos por estados, cidades ou outras partes interessadas estão a desafiar o papel da indústria de combustíveis fósseis nas alterações climáticas e na falta de informação para o público sobre os seus danos.
No mês passado, o estado do Minnesota e o distrito de Colúmbia, em Washington D.C., abriram processos a alegar que as grandes petrolíferas tinham enganado os consumidores sobre como o uso dos seus produtos implicava a emissão de carbono e contribuía para as alterações climáticas. Estes casos seguiram um outro apresentado em Outubro pelo estado do Massachusetts, que processou a Exxon Mobil Corp tendo por base a protecção dos consumidores. Os três acusaram as empresas petrolíferas de participarem em práticas desonestas e promoverem publicidade enganosa.
“Com o aumento da consciência em relação às alterações climáticas na opinião pública, as campanhas de desinformação deixaram de ser aceitáveis e houve uma mudança para o greenwashing”, disse Kate Konopka, procuradora-geral adjunta de Washington D.C., à Reuters.
Em cada caso, a maioria das empresas negou as acusações. A BP Plc não prestou declarações. A Exxon disse que o processo de Washington D.C. fazia parte de uma campanha “coordenada, politicamente motivada” contra empresas energéticas e que não tinha mérito. A Chevron Corp também desvalorizou o caso, dizendo que o litígio “distrai” do seu empenho na resposta às alterações climáticas. A Royal Dutch Shell Plc disse que está “comprometida em fazer a sua parte”, mas que os processos “impedem a colaboração necessária para mudanças significativas” ambientais.
Mas as empresas parecem estar preocupadas. A National Association of Manufacturers (Associação Nacional de Produtores) formou um grupo em 2017 para fazer pressão contra “advogados activistas” que tentam usar as empresas energéticas como bodes expiatórios.
O grupo, chamado Manufacturers’ Accountability Project (Projecto de Responsabilidade dos Produtores), aplaudiu uma decisão em Dezembro em Nova Iorque que ilibou a Exxon Mobil das acusações de fraudes de segurança, depois de alegadamente esta não ter informado os investidores sobre o que sabia quanto às alterações climáticas.
“Os tribunais estão a rejeitar esta narrativa desorientada e enganadora. No ano passado, um juiz federal já a chamou ‘hiperbólica’, quando o procurador-geral de Nova Iorque referiu reivindicações baseadas essencialmente nas mesmas alegações”, disse Phil Goldberg, um advogado que representa o grupo.
Campanha de pressão
Do lado dos direitos humanos, só houve cinco processos a usar esses argumentos antes de 2015. Desde então, já houve mais 40, disse a co-autora do relatório da LSE Joana Setzer, uma professora assistente no Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment da London School of Economics.
Mas nem todas estas novas tácticas resultaram. Numa decisão mediática em Janeiro, o 9.º Circuito do tribunal de recursos de São Francisco não aceitou o caso “Juliana v. United States”, em que 21 jovens acusaram o Governo federal de desrespeitar os seus direitos de vida e liberdade ao perpetuarem um sistema económico que alimenta as alterações climáticas. O juiz Andrew Hurwitz disse que concluiu “relutantemente” que o problema era uma questão para os ramos executivo e legislativo.
Independentemente de um juiz decidir a favor ou contra os interesses do clima, especialistas legais dizem que o facto de existirem tantos processos do género em tribunal tem ajudado a sublinhar a urgência da crise climática para o público e para os políticos.
“Precisamos de uma intervenção governamental massiva para nos tirar do buraco onde estamos, o que torna o Governo um dos alvos principais”, disse Tim Crosland, director da instituição solidária para litígios climáticos Plan B. O grupo britânico faz parte de uma campanha que ganhou um processo contra a criação de uma terceira pista no aeroporto de Heathrow, em Londres, com o tribunal a concordar em Fevereiro que o plano não tinha considerado os compromissos do país com o Acordo de Paris de 2015. Essa decisão está agora à espera do último recurso.
Richard Wiles, director executivo do Centro para Integridade Climática em D.C., uma organização sem fins lucrativos que apoia os litígios climáticos, disse que estes casos iriam ajudar a diminuir o poder dos lobbies da indústria de combustíveis fósseis.
“Tal como não se esperaria que as empresas de tabaco participassem nas decisões sobre saúde pública, a noção de que a indústria petrolífera deve ditar as políticas climáticas não é válida”, disse Wiles. “Eles não vão ter o mesmo poder de ditar as políticas climáticas que tiveram no passado.”