Morreu Larry Kramer, o dramaturgo que ajudou os EUA a lidar com a sida

O escritor e activista norte-americano tinha 84 anos. Foi um dos rostos associados aos primeiros casos de VIH e a sua voz foi importante na consciencialização do vírus e na redução do estigma associado a pessoas seropositivas.

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Larry Kramer e o marido, o designer David Webster, com quem se casou em Julho de 2013 DR

Larry Kramer, o escritor e activista pelos direitos homossexuais que encabeçou a resposta à crise do VIH nos Estados Unidos nas décadas de 1980 e 1990, morreu nesta quarta-feira em Manhattan, noticia o jornal The New York Times. Tinha 84 anos.

O seu marido, David Webster, disse que uma pneumonia estava na origem da sua morte. O seu amigo Will Schwalbe disse à Reuters que a sua morte não estava relacionada com a pandemia de covid-19. Kramer já tinha lidado com outras doenças anteriormente: teve cancro do fígado e foi sujeito a uma operação para que o órgão fosse transplantado em 2001; foi também infectado com o vírus VIH que causa a sida. Kramer fundou a organização Gay Men’s Health Crisis, que foi a primeira associação para pessoas infectadas com VIH, em 1981 – funcionava como uma espécie de linha de apoio para os primeiros infectados. ​Um ano depois, foi expulso da associação pelo seu temperamento agressivo. “Uma das pessoas problemáticas mais valiosas da América”, chamou-lhe a escritora Susan Sontag.

Um coração normal

Nasceu a 25 de Junho de 1935 em Bridgeport, Connecticut, e chegaria mais tarde a Hollywood, onde começaria a trabalhar como argumentista – e desde cedo quis fazer passar a mensagem do que era ser gay na América. O dramaturgo é autor de Um Coração Normal, peça autobiográfica que os Tony premiaram, e é também autor de livros como Faggots e The American People.

Um Coração Normal, escrito em meados dos anos 80 depois de ter sido expulso da comunidade Gay Men's Health Crisis, foi também adaptado em 2014 pelo próprio Larry Kramer para um telefilme da HBO que tem a sida como tema.

“Se os anos 70 representaram os primeiros grandes avanços nos direitos dos homossexuais, o início dos anos 80 prometia uma década de libertação sexual e hedonismo – a primeira sequência de Um Coração Normal, passada em Fire Island, filma essa promessa, a sensualidade dos corpos queimados pelo sol como que num teledisco da altura. A sida veio acabar com esse sonho”, escrevia o PÚBLICO na altura.

Depois dessa associação, fundou ainda o grupo Act Up, com manifestações de rua em que pediam que a investigação para descobrir um tratamento para a sida fosse acelerada e em que pediam também o fim da discriminação contra a comunidade LGBT+. No início da década de 1980, foi um dos primeiros activistas a preverem que a infecção por VIH se alastraria por todo o mundo e mataria milhões de pessoas independentemente da orientação sexual, escreve o New York Times

A sua luta atravessar-se-ia até com a do imunologista Anthony Fauci, que é agora um dos rostos mais visíveis no combate ao novo coronavírus nos Estados Unidos: Kramer publicou uma carta em que apelidava Fauci de assassino e de ser um “idiota incompetente”. “Quando se ultrapassa a retórica, descobre-se que o que Larry Kramer dizia tinha muito sentido e que ele tinha um coração de ouro”, afirmou Fauci, entrevistado pelo jornal nova-iorquino. E disse que Kramer tinha tido um papel “essencial” para que ele percebesse a forma como os tratamentos para o VIH estavam a ser atrasados por questões burocráticas. Mais tarde, tornaram-se amigos. 

Nestes últimos meses, segundo explicou ao New York Times, Kramer estava a trabalhar numa peça que tinha a pandemia de covid-19 como pano de fundo. “É sobre as pessoas gay que têm de viver ao longo das epidemias.”

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