Melhores dias terão que vir…
Com a recente “ajuda aos média” perdeu-se a oportunidade de abordar o fundo da questão da pobreza da imprensa…
Estranho ballet a que assistimos há meia dúzia de meses em torno dos média! Ou é o Presidente da República que, na sua obsessão de omnipresença, pede para que o Estado os ajude. Ou são o Sindicatos dos Jornalistas e a Associação Portuguesa de Imprensa que vão a Belém mendicar ajudas (como se vivêssemos em regime presidencial). Ou são patrões dos média (com proprietários por vezes de países democraticamente pouco recomendáveis) que desfilam na Presidência da República a estender a mão ao Estado. Ou é o próprio Governo que mete um pouco os pés pelas mãos, atribuindo ajudas sem previamente esclarecer os critérios adotados e corrigindo depois a grelha anunciada. Ou são até alguns que publicamente pedincharam e dizem agora que, não senhor, como grandes liberais que são, visceralmente anti-Estado, não pediram nada, o dito Estado não tendo sido generoso com eles!…
Neste ballet com alguns “pas de deux” plenos de humor, perderam-se de vista aspetos essenciais. As ajudas atribuídas foram teoricamente consequência da perda de receitas publicitárias provocada por longas semanas de pandemia e, no caso da imprensa, da queda das vendas em banca. Mas a preocupação em finais do ano passado era antes procurar relançar uma certa dinâmica no sector dos média, num país onde, globalmente, a imprensa e o jornalismo são extremamente pobres. A pandemia foi-se assim fazendo esquecer aquela que é de facto a urgência absoluta: modernizar fundamentalmente a informação escrita deste país.
Portugal conta pouquíssimos diários e semanários de informação geral, publicados quase unicamente na faixa litoral centro-norte, sendo as tiragens deles exageradamente baixas em relação à demografia do país. Depois há numerosíssimos periódicos locais e regionais que, na maioria dos casos, se encontram ainda naquilo que poderíamos chamar a fase pré-industrial da imprensa. Com redações muitas vezes reduzidas à sua mais simples expressão. Com periodicidades tão espaçadas que é impossível seguir realmente a atualidade. Com tiragens que os impedem de atingir leitorados suficientemente vastos. E com conteúdos que pouco têm de jornalismo profissionalmente competente e independente.
Ora, era no desenvolvimento desta imprensa (em papel e/ou em digital) nacional ou regional que deveriam ser investidos fundos públicos. De modo a permitir que os jornais “nacionais” reforcem fortemente equipas de redação e de gestão. Que se dotem de correspondentes na província e no estrangeiro, prioritariamente lá onde se decidem os destinos do mundo e onde as populações lusófonas são numerosas. Que possam propor edições digitais para as diferentes regiões do país e edições internacionais para os leitores em África e na América, edições autónomas em termos de conteúdos jornalístico e publicitários.
Na imprensa local e regional deveria procurar-se fomentar a concentração dos meios financeiros, técnicos e humanos. A grande maioria das publicações semanais, quinzenais e mensais atuais não satisfazem minimamente os critérios elementares de exigência em matéria de informação, de factualidade, perspetivação e análise. Há que favorecer o aparecimento de verdadeiros semanários e de alguns diários capazes de propor uma cobertura da atualidade abundante, fruto de redações suficientemente numerosas, diversificadas e competentes, e de administrações conhecedoras das especificidades da economia dos jornais (em papel ou em digital).
Nestes tempos de pandemia, os 15 milhões que acabam de ser atribuídos a um certo número de média são de facto uma “ajuda” como tantas outras anunciadas para outros sectores de atividade. Mas foram de certo modo uma “ajuda” dada a fundos perdidos, pois ninguém imagina que venham a provocar inovações na conceção editorial ou na gestão das empresas beneficiárias. Enquanto a grande mutação de fundo que é urgente pôr em marcha na informação escrita continuará à espera de melhores dias. A menos que se continue a pensar que a democracia em Portugal não precisa de grandes jornais para informar os cidadãos, nem para suscitar análises e debates de fundo sobre o futuro incerto da sociedade em que vivemos: o que seria deveras preocupante…
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico