Isabel dos Santos diz que Justiça arrestou bens com base em passaporte assinado por Bruce Lee

A empresária alega que o passaporte que o Estado angolano terá usado contém uma fotografia errada, uma data de nascimento incorrecta e palavras em inglês.

Foto
Empresária continua a defender-se das acusações do processo Luanda Leaks Reuters/Toby Melville

A empresária Isabel dos Santos acusou esta terça-feira Angola e Portugal de terem usado como prova no arresto de bens um passaporte falsificado, com assinatura do mestre do kung fu e actor de cinema já falecido Bruce Lee.

Segundo um comunicado da empresária, o Estado angolano terá usado como prova para fazer o arresto preventivo de bens “um passaporte grosseiramente falsificado, com uma fotografia tirada da Internet, data de nascimento incorrecta e uso de palavras em inglês, entre outros sinais de falsificação”.

O passaporte em causa terá sido usado como prova em tribunal pela Procuradoria-Geral da República de Angola para demonstrar que Isabel dos Santos pretendia ilegalmente exportar capitais para o Japão, alega a filha do antigo Presidente angolano José Eduardo dos Santos.

Isabel dos Santos fala numa “bizarra” troca de e-mails sobre um suposto negócio do Japão, onde um golpista que se fazia passar por um empresário do Médio Oriente actuando em seu nome teria usado um passaporte falso para engendrar um negócio fraudulento.

“Constata-se que a engenheira Isabel dos Santos nunca conheceu nem contactou as partes envolvidas neste ‘esquema fraudulento’ e não tinha conhecimento da falsa proposta”, garante, acrescentando que a transacção descrita nesses e-mails era “tecnicamente impossível”.

No mesmo comunicado em que apresenta o que diz ser um “enredo rocambolesco”, Isabel dos Santos afirma que a Embaixada de Angola no Japão contactou o SINSE (serviços secretos angolanos) para autenticar o falso passaporte, competência que é do Serviço de Migração e Fronteiras, e que a procuradoria angolana usou esta “grosseira falsificação” para sustentar o pedido de arresto de Dezembro de 2019.

O Tribunal de Luanda decretou em 30 de Dezembro do ano passado o arresto preventivo de contas bancárias e participações sociais de Isabel dos Santos, de Sindika Dokolo, o seu marido, e de Mário Filipe Moreira Leite da Silva, ex-presidente do Conselho de Administração do Banco de Fomento de Angola (BFA) e gestor da empresária.

O Estado angolano, representado pelo Ministério Público, fez uma extensa fundamentação em que, em traços gerais, sustenta que Isabel dos Santos e o seu marido utilizaram fundos, nomeadamente da Sonangol, para fazerem negócios, reclamando uma dívida superior a 1,1 mil milhões de dólares.

Isabel dos Santos, que nega todas as acusações, fala, no entanto, em “provas forjadas” para criar perante o tribunal “uma falsa aparência” de que se preparava para levar dinheiro para o Japão e esconder o seu património, sendo urgente arrestar os seus bens.

“A autenticação pelos serviços de inteligência e segurança do Estado, a utilização deste ‘falso passaporte’ pelo Estado angolano e a aceitação deste ‘falso passaporte’ pela Justiça como prova suscita sérias preocupações sobre a lisura e independência deste processo legal e faz adivinhar claras motivações políticas por parte de quem não se coíbe de usar provas falsas para realizar julgamentos de conveniência”, argumenta a empresária. Isabel dos Santos sublinha ainda que só em Abril os seus advogados tiveram acesso às alegações, “descobrindo provas falsas e documentos falsos”.

A empresária acusa a Procuradoria angolana de fazer uma “utilização fraudulenta do sistema de justiça de Angola” para se apoderar do seu património empresarial e apela à justiça portuguesa, que decidiu cooperar com Angola e executou vários arrestos em Portugal, para que “à luz desta denúncia e de outras que se seguirão, reavaliar estas execuções ‘às cegas'”.

Diz também que é uma “oportunidade para a justiça angolana demonstrar que não teme pela solidez e fiabilidade do seu trabalho”, apelando a que aja “na legalidade” e dê provas de “total independência do poder político”.

No comunicado salienta-se que, em consequência das provas forjadas, os Estados angolano e português arrestaram contas e bens num valor excessivo, superior a dois mil milhões de euros de activos e empresas, situação que está a destruir “empreendimentos que geravam valor” e a deixar pessoas no desemprego.

Isabel dos Santos queixa-se de estar a ser alvo de um processo com motivações políticas e lembra que Portugal é signatário da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, o que impede o país de cooperar juridicamente com qualquer processo deste género.

As autoridades portuguesas devem ficar alertas para a gravidade que pode constituir confiar e dar execução a solicitações da Justiça de Angola sem verificarem devidamente as provas e alegações apresentadas (...) recusando processos judiciais baseados em motivações políticas”, conclui.

O Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação revelou em 19 de Janeiro mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de Luanda Leaks, que detalham alegados esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido, que lhes terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano através de paraísos fiscais. Menos de dez dias depois, Isabel dos Santos avançou com acções em tribunal contra o consórcio.

A empresária é arguida num processo-crime que está a correr em Angola por alegada má gestão e desvio de fundos durante a passagem pela petrolífera estatal Sonangol.

Além do arresto de contas bancárias e participações sociais em Angola, foram também arrestadas participações relativas a várias empresas em Portugal.