Na reabertura, as bibliotecas vão optar pelo take-away e pôr livros de quarentena
Numa primeira fase, até que estejam garantidas condições de protecção aos funcionários, deverão continuar vedadas a leitura e a consulta presencial na esmagadora maioria dos equipamentos. Volumes e documentos consultados cumprirão intervalos rigorosos entre utilizadores.
Ditou o calendário do desconfinamento que arquivos e bibliotecas abrissem portas logo na primeira fase do plano nacional para restabelecer alguma da normalidade perdida neste cenário de pandemia. Assim sendo, a partir desta segunda-feira os serviços começarão, lentamente e de acordo com as possibilidades de cada um, a recuperar as rotinas que ficaram suspensas com a declaração do estado de emergência, a 18 de Março.
Para já, no entanto, não se espere que a maioria das bibliotecas e dos arquivos tenha as portas abertas para leituras presenciais, adverte Alexandra Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas (APBAD), lembrando que grande parte dos arquivos do país continuou em funcionamento apesar das limitações impostas e que um “número muito significativo” de bibliotecas manteve o empréstimo de livros, com entregas ao domicílio ou em sistema de take away, “ao postigo”.
“Os arquivos mantiveram-se muito activos online, nomeadamente aqueles que nos municípios prestam serviços na área das escrituras e das licenças. Mas também houve bibliotecas por todo o país que fizeram um esforço notável para permanecerem em contacto com as comunidades que servem, e não apenas online, porque vivemos num país em que nem toda a gente tem computador em casa”, diz esta arquivista que lidera a APBAD. As bibliotecas móveis, que continuaram a cumprir os seus trajectos, levando livros a aldeias e outras povoações, são disso um bom exemplo.
“Estas bibliotecas são muito importantes para combater o isolamento no interior”, garante Alexandra Lourenço, evocando o trabalho de Nuno Marçal, que tem andado pelas estradas na região de Proença-a-Nova ao volante de uma carrinha cheia de livros e não só: “Bibliomóveis como esta levam também encomendas várias, de medicamentos a tintas do cabelo. Ligam as pessoas.”
Quarentena rigorosa
Na Torre do Tombo e nos 18 arquivos distritais, o trabalho também não parou, embora tenha estado até aqui a ser feito a partir de casa, assegura Silvestre Lacerda, director-geral do Livro, dos Arquivos e da Bibliotecas. Na segunda-feira parte dos funcionários regressa ao serviço – os que trabalham directamente com documentos –, mas os restantes manter-se-ão longe das instalações.
Na Torre do Tombo, o arquivo nacional, a prioridade nos próximos dias, explica este arquivista, é reforçar a digitalização de documentos, responder aos leitores que colocam dúvidas online e dar seguimento aos muitos pedidos de consulta antecipada para que tudo funcione ainda melhor quando o público começar a poder sentar-se nas salas de leitura.
“A consulta presencial só deverá começar na segunda quinzena de Maio. Até lá é preciso garantir equipamento de protecção a todos os funcionários, para respeitar as indicações da Direcção-Geral de Saúde, e nós ainda não temos tudo aquilo de que precisamos”, diz Lacerda. O mesmo se passa noutros arquivos e bibliotecas espalhados pelo país, garantem o responsável pela Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e da Bibliotecas (DGLAB) e a presidente da APBAD.
“Serão as autarquias, que gerem muitos destes espaços, a estabelecer o modelo de reabertura, porque tudo depende da equipa de que cada um dispõe. Mas numa primeira fase recomendamos que o acesso aos serviços de leitura e de referência não implique a permanência do público nas instalações”, acrescenta Alexandra Lourenço. Primeiro é preciso garantir que os funcionários estão protegidos e interiorizaram as novas rotinas de leitura e consulta de livros e documentos. “Não podemos higienizar um livro página a página e não podemos, naturalmente, permitir um acesso livre às estantes.”
Mesmo numa fase mais adiantada, esclarece a associação num comunicado, devem ser seguidas à risca as indicações da DGS relativas à lotação máxima, ao controlo de acessos, ao trabalho parcial com horários desfasados, privilegiando sempre que possível o teletrabalho, ao distanciamento físico, à etiqueta respiratória, à higienização regular dos espaços e dos materiais e à protecção de trabalhadores e de utilizadores, através de equipamentos individuais como viseira, máscaras, luvas e desinfectante.
“Mas o serviço de empréstimo de livros à porta das bibliotecas pode acontecer, como em muitas acontecia até aqui, já a partir de segunda-feira, desde que seguidas as orientações para o manuseamento de documentos que a DGLAB divulgou”, nota Alexandra Lourenço.
De acordo com estas normas, que foram actualizadas a 23 de Abril e que seguem recomendações da DGS, tendo ainda por referência conhecimento produzido por outras entidades nacionais e internacionais relativo aos perigos de contágio que os materiais representam, livros e documentos serão colocados sob quarentena rigorosa.
“Quando começarmos a deixar que as pessoas entrem nos arquivos e nas bibliotecas, e mesmo agora, em que há possibilidade de empréstimo de livros, é preciso garantir a sua quarentena entre consultas”, esclarece Silvestre Lacerda.
Com base num estudo divulgado pela revista científica The New England Journal of Medicine e na experiência do arquivo do Hospital de São João, no Porto, o responsável pela DGLAB recomenda que livros e documentos consultados em bibliotecas e arquivos fiquem em sacos plásticos fechados durante 48 horas até poderem ser confiados a um novo utilizador. Os livros que forem alvo de leitura domiciliária devem ficar em pousio nove dias, “período que deverá vir a ser reduzido em breve”.
De acordo com o New England Journal of Medicine, o novo coronavírus, pode permanecer activo em cartão ou papel até 24 horas, mas Fernanda Gonçalves, arquivista do São João que lida com registos de doentes com covid-19, recomenda, por precaução, uma quarentena de 48 horas.