Operações de Manutenção da Paz da ONU devem manter o seu rumo
Como afirmou o secretário-geral da ONU quando pediu um cessar-fogo global, deve haver apenas uma luta no mundo hoje: a nossa batalha conjunta contra a covid-19. Para a manutenção da paz da ONU, tal inclui o nosso compromisso inabalável para com a saúde e a segurança dos nossos colaboradores e das pessoas que servimos.
As operações de paz das Nações Unidas promovem estabilidade e segurança em alguns dos lugares mais perigosos e vulneráveis do mundo. Antes da pandemia de covid-19, as forças de manutenção da paz da ONU – civis, militares e policiais – eram “uma fina linha azul de defesa” na proteção da população civil, no contributo para acordos de paz e na contenção de conflitos em locais de tensão e zonas de guerra em todo o mundo.
Se, ou mais provavelmente, quando, o vírus se espalhar ainda mais em países já enfraquecidos pela guerra e pela pobreza, não ameaçará apenas a vida de milhares de pessoas, mas também poderá comprometer o equilíbrio de uma sociedade que vive uma paz frágil e conduzi-la de volta ao conflito e ao desespero. As comunidades que estão a recuperar de conflitos encontram-se geralmente no limite da sobrevivência, enfrentando todos os dias a pobreza e a ausência de prestação de serviços básicos de saúde. Para essas comunidades, os riscos não poderiam ser maiores e a importância do apoio da ONU nunca foi tão grande.
Para que a luta global contra a covid-19 alcance áreas que lutam para superar conflitos, precisamos de continuar a assegurar e a promover a paz e a estabilidade. Juntamente com os nossos parceiros, as missões de manutenção da paz da ONU estão a trabalhar para alcançar quatro objetivos: (1) apoiar os esforços locais para combater a disseminação do vírus; (2) manter os funcionários da ONU seguros e garantir que recebem o melhor atendimento disponível, por meio do aumento de testes e de tratamentos médicos; (3) assegurar que as forças de manutenção da paz possam continuar o seu trabalho sem disseminar o vírus, praticando o distanciamento social e outras medidas de mitigação; e (4) promover os seus difíceis mandatos de apoiar a paz e conter conflitos, mesmo enquanto a covid-19 se propaga.
Como o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse recentemente ao Conselho de Segurança, esta pandemia pode potencialmente levar a um aumento da tensão social, ao enfraquecimento da autoridade do Estado e até à violência, o que prejudicaria enormemente a nossa capacidade conjunta de combater o vírus. Para os países que têm poucos ventiladores para milhões de pessoas, a possibilidade de que uma em cada 1000 pessoas possa contrair o vírus, e que 15% destas precisem de assistência numa unidade de cuidados intensivos, é alarmante. As estatísticas brutais da covid-19 não refletem apenas uma crise de saúde global, sinalizam também uma ameaça fundamental à manutenção da paz e segurança internacionais.
Estamos comprometidos em garantir que as nossas operações de paz façam tudo o que estiver ao seu alcance para ser parte integrante da solução desta pandemia. Da República Centro-Africana ao Líbano, da Somália ao Mali, os nossos funcionários continuam a trabalhar. Fazem-no de forma corajosa e com dedicação, mantendo-se na linha da frente mesmo enquanto se preocupam com as suas famílias em casa, mesmo quando as ligações aéreas e as cadeias de abastecimento estão sobrecarregadas pela resposta global à covid-19, mesmo quando continuam a surgir casos nos países anfitriões.
A força das nossas parcerias para a manutenção da paz – seja com outros agentes da ONU, ONGs ou organizações regionais como a União Africana (UA) – nunca foi tão importante. Apesar das crescentes exigências para que as nossas forças de manutenção da paz cumpram os seus mandatos, devemos reconhecer que os nossos parceiros também enfrentam os riscos desta pandemia. As nossas missões de manutenção da paz oferecem uma infraestrutura médica que pode dar apoio a todo o pessoal da ONU em risco de contaminação, enquanto continuam a desempenhar o seu trabalho. Protegermo-nos é fundamental para proteger os outros.
Estamos também a fazer tudo o que é possível para manter a resiliência das nossas cadeias de abastecimento. Os nossos especialistas em logística desenvolveram um plano de negócios contínuo para as necessidades básicas, garantindo o planeamento, provisão e entrega de bens e serviços essenciais para a implementação dos mandatos de paz. Temos equipamentos de proteção individual que estão a ser disponibilizados em todas as nossas missões, estamos a fornecer os nossos próprios ventiladores respiratórios e a assegurar capacidade de unidades de cuidados intensivos e meios que sejam suficientes para garantir que não há uma sobrecarga dos recursos locais, que são já altamente escassos. Também estamos a reforçar a capacidade de evacuação médica em estreita colaboração com os nossos parceiros e Estados-membros da ONU. Existem medidas estritas de distanciamento social e as missões estão a reduzir a sua presença, diminuindo a densidade da população entre os agentes militares e policiais, e o pessoal civil.
Embora as nossas missões se devam proteger da covid-19, continuam em contacto com as comunidades locais, protegendo os civis e ajudando os governos anfitriões a conter o vírus. A Rádio Okapi, a estação de rádio da ONU na República Democrática do Congo (RDC), lançou uma campanha multilíngue em todo o país para informar a população local sobre a covid-19, focando-se na dissipação de rumores e no combate à desinformação.
No Darfur, a nossa operação está a informar os grupos vulneráveis sobre a importância das medidas preventivas para controlar a disseminação da covid-19, inclusive em campos para pessoas deslocadas internamente no norte e no centro do país, onde os riscos de propagação de infeções são grandes. No Chipre, a nossa missão é trabalhar com organizações de mulheres para apoiar as vítimas de violência doméstica durante a quarentena.
Ao mesmo tempo, os capacetes azuis continuam a realizar as suas tarefas anteriores à covid-19: proteger civis, apoiar os processos políticos e ajudar na capacidade de governação. Na RDC, as forças de paz ajudaram recentemente a libertar 38 civis, incluindo mulheres e crianças, que foram sequestrados por um grupo armado no leste do país, enquanto ajudavam o exército nacional a repelir um ataque. No Mali, há duas semanas, quando o governo decidiu que era importante avançar com as eleições legislativas, a nossa missão forneceu apoio logístico e operacional crítico, e ajudou a garantir segurança nas secções eleitorais no dia do sufrágio. Na Somália, a ONU tem apoiado os soldados da União Africana e o governo do país a desenvolver os seus planos de preparação e resposta à covid-19, estando também a trabalhar para garantir que os grupos terroristas não aproveitam a oportunidade para atacar enquanto a atenção estiver focada na resposta à pandemia. A luta contra a covid-19 pode ser uma “segunda frente” para as forças de manutenção da paz, mas as duas batalhas continuam.
Na semana passada, o secretário-geral da ONU decidiu suspender a rotação de todas as nossas tropas e unidades policiais até 30 de junho. Tais medidas manterão os nossos capacetes azuis no terreno, onde eles são mais necessários, e ajudarão a proteger e a tranquilizar comunidades e colegas da ONU, adiando o movimento de milhares de pessoas de e para os seus países de origem. Esta é uma decisão que não foi tomada de ânimo leve, dado que as áreas nas quais as forças de manutenção da paz se encontram são comummente remotas, difíceis e perigosas. Ficar no terreno é um sacrifício para todos os que esperavam voltar para casa após uma árdua missão. Estamos gratos aos países que contribuem com estes agentes policiais e militares por terem concordado com esta medida, para que as nossas operações de paz possam manter as suas operações, garantindo a paz e minimizando o risco de contágio pela covid-19. Estamos a fazer tudo o que está ao nosso alcance para apoiar os nossos corajosos homens e mulheres, para que possam manter a sua própria segurança e a segurança das comunidades anfitriãs.
Como afirmou o secretário-geral da ONU quando pediu um cessar-fogo global, deve haver apenas uma luta no mundo hoje: a nossa batalha conjunta contra a covid-19. Para a manutenção da paz da ONU, tal inclui o nosso compromisso inabalável para com a saúde e a segurança dos nossos colaboradores e das pessoas que servimos. É por isso que as forças de paz da ONU devem continuar o seu importante trabalho e é também por isso que agora, mais do que nunca, eles precisam do nosso total apoio.
Atul Khare é subsecretário-geral do Departamento de Apoio Operacional da ONU
Jean-Pierre Lacroix é subsecretário-geral do Departamento de Operações de Paz da ONU
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico