E se adaptássemos máscaras para pessoas surdas e com dificuldades auditivas?

Jovem norte-americana criou um projecto para o desenvolvimento de máscaras com tecido transparente na zona da boca. “É inquestionável a utilidade e a importância destas máscaras para a população surda e para os seus interlocutores”, defende a Associação de Surdos do Porto.

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Ashley Lawrence criou uma campanha de “crowdfunding” para desenvolver máscaras com tecido transparente na zona da boca. DR

Em plena pandemia da covid-19, as dificuldades aumentam, mas ainda mais para a população surda. Apesar de a Organização Mundial de Saúde continuar a reforçar que as máscaras só devem ser usadas por certos grupos específicos e de a Direcção-Geral da Saúde seguir estas indicações, a verdade é que as máscaras se espalharam um pouco por todo o lado. Para todos aqueles que dependem da leitura dos lábios ou de língua gestual, a comunicação é cada vez mais dificultada e muita informação está a passar ao lado.

Com isto em mente, uma estudante universitária de educação para surdos e pessoas com dificuldades auditivas criou o DHH Mask Project (sigla para Deaf and Hard of Hearing). Ashley Lawrence é norte-americana e vive no estado do Kentucky. A 31 de Março lançou uma campanha de crowdfunding no GoFundMe na qual apresenta uma solução possível para evitar que estas pessoas se vejam “isoladas da sua fonte de comunicação”. “Tal como estão a ser feitas máscaras cirúrgicas de tecido, também é preciso fazer máscaras adaptadas para pessoas surdas ou com dificuldades auditivas”, explica. Desenhou um padrão de máscara de tecido que se adequa àqueles “que lêem os lábios ou dependem das expressões faciais usadas na comunicação em língua gestual para entender o significado e a intenção”.

O DHH Mask Project começou a fabricar estas máscaras e a distribuí-las por “quem precisar de uma, quer estejam doentes ou não”, apoiado pelo dinheiro angariado no crowdfunding para “custos dos materiais e envios”. Ashley explica que, mesmo que não seja recomendado o uso generalizado de máscaras no dia-a-dia, se alguma pessoa surda ficar infectada com o novo coronavírus, pelo menos “terá uma máscara para dar ao seu médico, para que possam comunicar mais facilmente”. No entanto, dois dias depois de ter aberto a campanha, Ashley teve de a fechar: os 3387 dólares (3142 euros) arrecadados já atingiam o objectivo inicial e, paralelamente, percebeu que não tinha capacidade para chegar a toda a gente e responder a todos os pedidos.

Numa resposta automática via email, é esclarecido que o projecto ficou “sobrecarregado, mas satisfeito” por ter conseguido fazer a sua parte para consciencializar a comunidade local e chamar a atenção para as dificuldades vividas por quem é surdo ou tem dificuldades auditivas. “Para chegar melhor a todos aqueles que precisam de uma máscara, já não aceitamos pedidos, mas criamos um tutorial para cada um poder fazer máscaras para a sua própria comunidade.”

Armando Baltazar, da Associação de Surdos do Porto, disse ao P3 que esta “é uma iniciativa excelente e que em muito vai ajudar a comunidade surda”. “É importante para todas as pessoas surdas, ou com défice grande de audição, terem acesso aos lábios dos interlocutores de modo a ajudar a comunicação. Por isso, é inquestionável a utilidade e a importância destas máscaras para a população surda e para os seus interlocutores.” Adicionalmente, Baltazar comenta que ainda na semana passada foram contactados pelo movimento Fafe - ajuda aos profissionais de saúde exactamente para perceber a importância deste tipo de máscaras, já que “têm em projecto a criação das mesmas”.

“Neste momento, estamos a tentar fazer um modelo que possa ser reproduzido.” Bruno Matos é enfermeiro e o responsável pelo movimento Fafe - ajuda aos profissionais de saúde. Reforça que são “amadores” na área têxtil — sobretudo enfermeiros — e estão a colaborar com o sector. Margarida Lopes é terapeuta da fala, faz parte desta equipa e “foi ela que lançou o desafio”. “Em Portugal, ainda não há nada deste género; há na Austrália, nos Estados Unidos e noutros países. Então, a nossa intenção é responder às necessidades locais e depois expandir, chamar outras pessoas que possam reproduzir a ideia por outras zonas do país.” Bruno Matos relembra que as clínicas vão reabrir a partir de 4 de Maio, bem como vários outros serviços, e estas máscaras seriam essenciais para as pessoas surdas (“e até para as crianças seria muito mais fácil”). O projecto já conseguiu distribuir 6 mil viseiras e tenciona ter estas novas máscaras prontas ainda esta semana.

Pouco apoio aos cidadãos surdos

Na última quarta-feira, 22 de Abril, foi anunciada a criação de uma plataforma de atendimento por videochamada no Centro de Contacto do Serviço Nacional de Saúde — SNS24 para cidadãos surdos. A linha já está em funcionamento e conta com seis intérpretes de Língua Gestual Portuguesa a prestar atendimento 24 horas por dia, sete dias por semana. Na nota enviada pelo Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social consta que “esta funcionalidade poderá ainda ser utilizada para assegurar a comunicação entre os profissionais de saúde e o doente surdo durante o internamento hospitalar ou interacções no centro de saúde”.

Está, também, disponível uma caixa de chat no site do SNS24; a videochamada vem complementar a plataforma, permitindo “o contacto entre o cidadão surdo e o intérprete de Língua Gestual Portuguesa”, que fará a mediação com o enfermeiro do Centro de Contacto do SNS através de uma plataforma de atendimento de voz. O serviço, contudo, foi disponibilizado 50 dias após a confirmação do primeiro caso de covid-19 em Portugal. Em Julho de 2019, o número de emergência 112 também ficou disponível para surdos. A aplicação MAI112 — que tinha sido prometida em 2016 — permite aos cidadãos surdos chamar o 112 sem ajuda, através de videochamada ou de uma mensagem escrita. Inicialmente disponível apenas para sistema Android, a funcionalidade gratuita chegou aos iPhones em Dezembro de 2019.

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