Portugal é um dos países que mais testes de diagnóstico fazem no mundo. Cada um custa 87,95 euros ao SNS
Laboratórios privados já estão a fazer outro tipo de testes, os de imunidade, que servem para detectar a presença de anticorpos em indivíduos que possam ter estado infectados sem ter tido sintomas ou que não tenham efectuado o exame de diagnóstico.
Portugal passou a ser, em apenas um mês, um dos países do mundo que fazem mais testes de diagnóstico do novo coronavírus por milhão de habitantes. Apesar das dificuldades na obtenção de kits, reagentes e zaragatoas (cotonetes mais longas para a colheita de amostras no fundo do nariz ou na garganta), estão a ser testadas milhares de pessoas por dia e Portugal está num lugar cimeiro nesta tabela, segundo o site Worldometers que actualiza ao dia estes dados para todos os países.
Na quarta-feira estava bem acima da Coreia do Sul e apenas um lugar abaixo da Alemanha, países destacados como alguns dos melhores exemplos pela sua capacidade de fazer um grande número de testes de diagnóstico, uma das medidas apontadas como explicação para as baixas taxas de letalidade por covid-19 que apresentam. Os dados vão mudando diariamente, mas Portugal estava então entre os dez primeiros países do mundo neste ranking.
Actualizados esta quinta-feira pelo secretário de Estado da Saúde, os últimos números nacionais indicam que desde 1 de Março e até quarta-feira foram feitos mais de 208 mil testes, o que dava 20.430 por milhão de habitantes. A Alemanha fez mais de 1,7 milhões, um total de 20.629 por milhão de habitantes na quarta-feira, segundo o Worldometers.
Estes testes de diagnóstico (em que é pesquisado o material genético do vírus por PCR em tempo real) começaram por ser realizados pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa) e pelos laboratórios de alguns hospitais públicos, quando surgiram os primeiros casos de infecção pelo novo coronavírus. Mais tarde passaram também a ser efectuados por laboratórios privados em colaboração com as autarquias. Na maior parte dos casos são actualmente realizados no modelo drive thru (em que as pessoas entram e saem dos postos de colheita de carro) e o Serviço Nacional de Saúde paga 87,95 euros por cada um.
Com os olhos postos no futuro, os maiores grupos privados de análises clínicas do país anunciaram, entretanto, que estão já ou que vão começar a comercializar outro tipo de testes, os de imunidade ou serológicos. São exames moleculares realizados a partir de uma amostra de sangue e que servem para detectar a existência de anticorpos em indivíduos que possam ter estado infectados sem ter tido sintomas ou que não tenham efectuado o teste de diagnóstico.
O caminho destes testes de “uma nova geração”, como lhes chamou o Presidente da República — que quis saber se contactou com o novo coronavírus, foi testado e ficou surpreendido com o resultado negativo —, poderá vir a ser similar no futuro. Mas para já é preciso cautela, porque ainda há muita incerteza em relação a estes exames que estão a aparecer no mercado.
O primeiro a anunciar que está a fazer testes de imunidade foi o grupo Germano de Sousa, que começou há duas semanas só a pedido de médicos que suspeitam que os seus doentes possam ter tido covid-19. Germano de Sousa sublinha que a sua rede de laboratórios só faz testes serológicos quantitativos, que detectam a quantidade de anticorpos no sangue, não os qualitativos. Estes últimos são mais básicos e pouco fiáveis — com uma simples gota de sangue percebe-se se houve ou não contacto com o vírus e o resultado demora poucos minutos, à semelhança dos testes de gravidez. Mas é mesmo só isso que se fica a saber.
Quanto ao preço dos testes quantitativos, este pode ser superior a 50 euros, se forem testados dois tipos de anticorpos, IgM e IgG, diz Germano de Sousa. Os primeiros anticorpos podem ser detectados logo a partir de cinco ou seis dias depois do início dos sintomas e são a primeira resposta do organismo, enquanto os outros aparecem após 14 dias e são aqueles que, pelo menos em teoria, conferem imunidade contra a covid-19, explica o médico. A análise laboratorial a cada um custa “entre 25 e 30 euros”, adianta. “Quando os testes aparecem, custam brutalidades”, justifica Germano de Sousa.
O grupo Joaquim Chaves anunciou entretanto na sua página na Internet que os exames de imunidade estão disponíveis desde segunda-feira, igualmente com prescrição médica, sem revelar o preço. Já a rede de laboratórios Unilabs Portugal começou a fazer testes de imunidade nesta quinta-feira, cobrando 39 euros e exigindo também que seja prescrito por um médico. A Unilabs apenas faz análise laboratorial de IgG, uma vez que a IgM apenas é utilizada para detecção em fase aguda.
Ao mesmo tempo, há laboratórios científicos a desenvolver testes de imunidade para futura produção em massa cujo preço será bem mais reduzido, garante Pedro Simas, virologista e investigador no Instituto de Medicina Molecular (IMM) da Universidade de Lisboa. O IMM está a trabalhar em conjunto com outros institutos no desenvolvimento destes testes serológicos. “É só esperar algumas semanas. Estes testes são baratos e é possível fazer milhares por dia”, garante Pedro Simas.
Criar falsa sensação de segurança?
Lembrando que foi a Unilabs que avançou com a primeira estrutura de drive thru no Queimódromo do Porto nos testes de diagnóstico da infecção, em parceria com a Câmara do Porto e a Administração Regional de Saúde do Norte, o director clínico desta rede de laboratório, António Maia Gonçalves, nota que esta metodologia foi depois “replicada por todo o país” e por outros laboratórios privados, ao mesmo tempo que a capacidade dos hospitais públicos aumentou e “alguns institutos universitários” começaram igualmente a produzi-los. Resultado? “Actualmente fazem-se mais testes em Portugal por milhão de habitantes do que na Coreia do Sul”, acentua o médico.
Num mês, recorda, os custos destes exames, pelos quais alguns laboratórios chegavam a cobrar 200 euros, caíram para menos de metade.
Não é cedo para avançar para os novos testes, os serológicos? Maia Gonçalves considera que não, lembrando que a Alemanha já anunciou que vai fazer testes de imunidade em 100 mil voluntários para no futuro criar “um passaporte de imunidade” que poderá permitir “aligeirar as medidas de isolamento social e potencialmente retomar a actividade laboral”. Considerando que “ainda não é tempo de dar respostas individualmente a cada município”, Maia Gonçalves defende que a Direcção-Geral da Saúde e o Ministério da Saúde devem liderar este processo e considera que haverá grupos profissionais a que dar prioridade, nomeadamente os profissionais de saúde e das forças de segurança, os bombeiros e os trabalhadores de lares, entre outros.
Para Tiago Guimarães, director do Serviço de Patologia Clínica do Hospital de São João (Porto), todo este entusiasmo é muito prematuro, pois a infecção em termos populacionais é recente e circunscrita. Neste hospital de referência já se fazem alguns testes serológicos a profissionais de saúde e a alguns doentes, mas ainda numa base de avaliação preliminar.
Frisando que há já vários testes de imunidade no mercado e que alguns já estão disponíveis desde o final de Fevereiro, Tiago Guimarães avisa ainda que a sua qualidade é muito heterogénea. Além disso, “o risco é criar a ilusão de que vamos ter aqui uma solução”, critica, quando “ainda ninguém sabe muito bem como é a imunologia deste vírus e que significado tem a presença dos anticorpos”. “Há muita gente ansiosa por fazer estes testes”, mas não devemos correr o risco de “disparar” e pôr “toda a gente a fazer testes destes”, criando “uma falsa ilusão de segurança”.
Apesar de admitirem a importância que este tipo de exames poderá ter no futuro, tanto a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, como o presidente do Insa, Fernando Almeida, já explicaram que o que está a ser planeado por enquanto em Portugal é um projecto-piloto que incluirá 1700 participantes para estudar a exposição nesta amostra à epidemia de covid-19. O projecto deve arrancar nas próximas semanas. “É discutível que se façam agora testes em massa, porque o número de pessoas que desenvolveu anticorpos é relativamente pequeno”, justificou Fernando Almeida, que reserva para mais tarde a realização de um inquérito serológico a nível nacional.
Antecipando-se a outras autarquias, a Câmara de Cascais decidiu, porém, avançar já com um “estudo epidemiológico”, com o mesmo fim, mas apenas numa amostra da população do concelho, usando testes rápidos.
Notícia alterada: Portugal estava na quarta-feira no 19.º lugar na tabela de países e territórios (como as Ilhas Faroé) que mais testes de diagnóstico fazem. Considerando apenas países, estava entre os dez primeiros.