“Estado tem o dever de colaboração com os municípios”
Professor de Direito Constitucional acusa ministra da Saúde de fazer “declaração autoritária” e afirma que “os cidadãos precisam de informação credível, pelo menos a nível distrital”.
O professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito de Lisboa, José Melo Alexandrino, põe em causa a forma como a Direcção-Geral da Saúde organiza, apura e distribui a informação sobre a evolução da pandemia e lamenta a insinuação feita, no sábado, pela ministra da Saúde, Marta Temido, que “sugeriu que os municípios estavam a violar o segredo estatístico ao quererem ter acesso à informação diária sobre a evolução da covid-19 em cada concelho”, através dos delegados de saúde pública.
“A ministra da Saúde falou no risco da violação do segredo estatístico quando isso não se aplica aos municípios, porque o regime do sistema estatístico não é aplicável à informação que os autarcas dispõem e disponibilizam. Os municípios não fazem parte do sistema estatístico nacional”, explica José Melo Alexandrino, autor de várias queixas ao Presidente da República, primeiro-ministro e também à provedora da Justiça nas quais questiona alguns dos procedimentos seguidos pela DGS, bem como “a falta de critérios metodológicos” que, na sua opinião, “poderiam minimizar a deficiência dos dados” por aquele organismo de saúde pública.
“A insinuação feita por Marta Temido foi a resposta aos autarcas que se insurgiram contra uma decisão do gabinete da ministra da Saúde que, por um lado, diz que não havia proibição de informação, mas, por outro lado, diz que havia o risco da violação do segredo estatístico, algo que não é pertinente porque não se aplica aos autarcas”, declarou ao PÚBLICO o professor associado da Faculdade de Direito de Lisboa.
Ainda a propósito da insinuação de Marta Temido, o professor encara-a como uma “declaração autoritária”. E explica-se: “O que a ministra disse não corresponde ao âmbito da aplicação da lei. Isto não é estatística, isto é informação administrativa num contexto de pandemia e os cidadãos e os municípios têm de ter acesso aos números reais”. O professor deixa um sublinhado: “O Estado tem o dever de colaboração com os municípios e tem o dever de informação sobre a saúde pública e a informação tem de ser fidedigna. O Estado tem de prestar contas”.
Afirmando que a “informação difundida diariamente pela DGS não é fidedigna”, o também investigador do Centro de Investigação de Direito Público do Instituto de Ciência Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito de Lisboa defende uma outra forma de apurar os dados. Mas antes, dá um exemplo: “No dia 9 de Abril, no distrito da Guarda, os casos passaram de 14 para 131; todavia, este aumento de 117 casos num só distrito da região é compatível, para a DGS, com um aumento de 40 casos em toda a região Centro [quando], num só concelho do distrito da Guarda, Vila Nova de Foz Côa, os casos passaram, de 7 para 69 num dia”. E acrescenta: “O que é grave é que de há muito todos esses números eram conhecidos”.
Para José Melo Alexandrino, “a organização, o apuramento de informação e a sua divulgação devem ser critérios que têm de ter o máximo de correspondência com a realidade porque a única informação válida é aquela que corresponde à realidade, e no caso do SINAVE [Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica que centraliza toda a informação da covid-19] isso não acontece. Tem de ser encontrada uma outra forma de apurar a informação”. Para o professor, “os cidadãos precisam de informação credível, pelo menos a nível distrital (se tal não for possível a nível das cinco regiões) que apresente números diários de casos, de mortos, de doentes internados e de testes realizados”.