A vida corre contra o tempo nos cuidados intensivos do Hospital de Santa Maria

Há entreajuda e esforço, muito esforço de médicos e enfermeiros. Ainda não há profissionais em sobrecarga. Uma equipa de reportagem da Lusa entrou nesta unidade hospitalar.

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Mário Cruz/Lusa

A vida corre contra o tempo nos cuidados intensivos do Hospital Santa Maria, em Lisboa, onde estão os doentes mais graves com covid-19, exigindo um acompanhamento constante dos profissionais de saúde, que, apesar da adversidade, conseguem manter a serenidade e o espírito de equipa.

A entreajuda e o esforço dos médicos e enfermeiros no apoio a estes doentes foram testemunhados por uma equipa de reportagem da agência Lusa que teve a oportunidade de entrar naquela unidade depois de passar por um rigoroso processo de fardamento e de desinfecção.

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Enfermeiras trocam informações na área reservada para doentes com covid-19 Mário Cruz / Lusa

Nos cuidados intensivos do Serviço de Medicina Intensiva do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN) não podem entrar telemóveis. Todos os pedidos de medicamentos, equipamentos, de reforço de médicos ou enfermeiros são feitos por um serviço de rádio para garantir a máxima segurança.

Alguns doentes estão isolados num quarto, outros dividem uma sala com várias camas com o distanciamento necessário. Todos estão entubados, ventilados, e com o ritmo cardíaco monitorizado, através de um aparelho que apita à mínima alteração e alerta o enfermeiro, que assiste logo o doente. Todos os doentes são homens, a maioria com idades mais avançadas. Entre eles está o primeiro paciente com covid-19 internado no Hospital Santa Maria há mais de 20 dias.

“Ainda está entubado, ventilado e tem um percurso clínico” prolongado, mas que “reproduz o que tem sido divulgado e partilhado pela comunidade médica e que, no fundo, é a experiência que temos tido em vários países relativamente a esta doença”, disse à Lusa o director do Serviço de Medicina Intensiva, João Miguel Ribeiro.

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Equipa médica posiciona um doente ventilado em decúbito ventral Mário Cruz / Lusa

O doente está na casa dos 50/60 anos e não tinha doenças prévias significativas, o que ilustra a preocupação que existe na comunidade médica de que esta patologia, “embora claramente afecte faixas etárias mais elevadas”, pode também “ganhar expressão” em doentes relativamente novos e sem comorbilidades, sublinhou.

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Um dos doentes com covid-19 que se encontra na unidade de cuidados intensivos Mário Cruz / Lusa

O risco de contagiosidade e infecciosidade desta doença implicou uma “exigência acrescida” por parte dos serviços médicos, das estruturas hospitalares e da própria comunidade, disse o médico. Foram criadas zonas de contenção nos hospitais e a necessidade de os profissionais usarem equipamentos de protecção especial que, no caso dos cuidados intensivos, obriga a um ritual rigoroso.

Antes de entrarem, os profissionais têm de despir a roupa, que fica guardada num balneário improvisado. De seguida, vestem um fato médico e colocam o equipamento de protecção: bata, óculos, viseira, touca, dois pares de luvas e coberturas para o calçado. Já devidamente equipados e desinfectados, os elementos da equipa, maioritariamente enfermeiros, entram na unidade onde começa um árduo trabalho para salvar os doentes.

A Lusa pôde assistir à colocação de um doente em posição de “decúbito ventral” para melhorar a sua oxigenação que obrigou a um verdadeiro trabalho de equipa.

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Uma enfermeira abre uma janela para respirar ar fresco Mário Cruz / Lusa

No final, uma enfermeira precisou de abrir por segundos uma janela para respirar o ar vindo da rua e quebrar a pressão que às vezes se sente naquele espaço, onde se luta pela vida, mas onde também impera a serenidade e a camaradagem entre a equipa.

À saída do turno, o ritual de retirar o equipamento ainda é mais exigente, porque por cada peça retirada é preciso desinfectar as mãos.

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Mário Cruz / Lusa

No dia da reportagem da Lusa, segunda-feira, estavam internados 20 doentes com necessidade de cuidados intensivos. “Este número tem sido constante nos últimos dias, embora em absoluto não reflicta a dinâmica dos internamentos”, disse João Miguel Ribeiro, acrescentando: “Temos tido oportunidade e a felicidade de poder transferir os doentes, porque melhoraram, para a enfermaria”.

Em média, são admitidos um ou dois doentes por dia no serviço, que continua a ter doentes sem covid-19, com doenças de diversos foros que também dependem destes cuidados. Segundo João Miguel Ribeiro, o serviço ainda tem capacidade de resposta e o CHULN está a trabalhar “activamente para crescer essa reserva”, contando ter esta semana mais dez camas, totalizando 56.

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Doente ventilado na unidade de cuidados intensivos Mário Cruz / Lusa
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Uma enfermeira observa doentes com covid-19 Mário Cruz / Lusa

Ainda não há profissionais em sobrecarga porque o serviço antecipou essa realidade: fez “um trabalho de preparação e de formação” e neste momento “não há nenhuma evidência de saturação ou de sobrecarga física ou psicológica”. “Agora sei que essa realidade, com a manutenção e até com a intensificação da expressão deste surto pandémico, vai ser inevitável e, portanto, em certa medida isso é uma realidade que também não vamos conseguir escapar”, concluiu o médico.

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Um doente ventilado na unidade de cuidados intensivos Mário Cruz / Lusa

Em Portugal, segundo o balanço feito hoje pela Direcção-Geral da Saúde, registaram-se esta quarta-feira 380 mortes, mais 35 do que na véspera (+10,1%), e 13.141 casos de infecções confirmadas, o que representa um aumento de 699 em relação a terça-feira (+5,6%). Dos infectados, 1.211 estão internados, 245 dos quais em unidades de cuidados intensivos, e há 196 doentes que já recuperaram.