Layoff deixa futebol profissional em estado de sítio

Leixões anunciou que recorrerá ao layoff, com Varzim, Académico de Viseu e Portimonense a prepararem-se para fazer o mesmo. Extremaram-se as posições entre Sindicato dos Jogadores e clubes, e Liga diz que já se perderam 310 milhões de euros com a crise.

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Liga de clubes reuniu-se ontem com os clubes da I Liga por videoconferência para discutir a situação Nelson Garrido

Depois das SAD (Sociedade Anónima Desportiva) do Belenenses e Desportivo de Chaves terem avançado para o layoff dos seus jogadores na segunda-feira, também a sociedade que gere o futebol profissional do Leixões anunciou, esta terça-feira, que irá recorrer a esta solução governamental para aliviar os custos das massas salariais nas empresas em dificuldade neste período de crise do novo coronavírus. Prontos para avançar estão ainda o Varzim, Académico de Viseu e Portimonense, segundo o PÚBLICO apurou.

Para já, com excepção da Belenenses SAD, que milita na I Liga, todos os restantes candidatos ao layoff disputam a II Liga, onde as receitas são francamente menores em relação ao escalão principal do futebol profissional. Os restantes clubes desta competição continuam a procurar soluções de compromisso com os jogadores, antes de avançarem também para esta via.

Já o Sindicato dos Jogadores voltou a manifestar veementemente a sua oposição a esta opção unilateral dos clubes, avisando que a mesma “dificulta compromissos futuros.”

“O sindicato não aceita e deixa claro que nunca legitimou as sociedades desportivas a negociar com os seus trabalhadores para proceder a cortes salariais indiscriminados, assim como reitera a condenação daquelas que recorram ao layoff com suspensão do contrato de trabalho, muitas delas sem dar aos seus trabalhadores qualquer possibilidade de negociação”, anunciou esta terça-feira à tarde o organismo presidido por Joaquim Evangelista.

Contra cortes cegos

O sindicato reitera que os jogadores querem fazer parte da solução neste contexto de crise generalizada, mas exige respeito aos seus associados, reforçando que se disponibilizou desde a primeira hora para encontrar um consenso. Em concreto, refere-se ao processo negocial que desenvolveu com a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) nas últimas semanas, com cedências de ambas as partes, e agora parado.

Já em relação à forma como estão a decorrer muitas das negociações entre jogadores e clubes, o sindicato mostra-se irredutível. “Quem aufere rendimentos mais elevados pode sofrer um corte maior, quem aufere rendimentos mais reduzidos, deve ver o seu salário menos afectado, sendo de acolher o princípio de que os cortes feitos nesta fase de transição possam ser repostos/compensados em data a acordar pelas partes”, refere o comunicado.

Acordo de clubes

Ao final do dia e após uma longa reunião por videoconferência com os clubes da I Liga – na segunda-feira tinha sido com as SAD da II Liga –, a Liga anunciou, também em comunicado, que os clubes acordaram não contratar jogadores que rescindam unilateralmente o contrato de trabalho, “evocando questões provocadas em consequência da pandemia de covid-19 ou de quaisquer decisões excepcionais decorrentes da mesma, nomeadamente da extensão da época desportiva”.

Em resposta ao sindicato, a Liga disse ter alertado este organismo para gravidade da actual situação financeira dos clubes.

“Segundo o estudo de Daniel Sá [director-executivo do Instituto Português de Administração de Marketing], com esta paragem competitiva, a perda de receitas será na ordem dos 310 milhões de euros. E não são recuperáveis mesmo que se consiga retomar as provas em Junho e que sejam pagas integralmente as receitas dos direitos de transmissão televisiva”, sublinhou ao PÚBLICO Sónia Carneiro, directora-executiva da Liga, considerando essencial que os clubes baixem mesmo os salários “para sobreviverem”.

Leixões também avança

Se a Liga optou por não responder nesta fase ao Sindicato dos Jogadores, o presidente da SAD do Leixões não poupou críticas ao organismo. Ao mesmo tempo que anunciava a decisão de recorrer ao layoff, Paulo Lobo garantiu que foi a “intransigência” da entidade liderada por Joaquim Evangelista que levou a que os clubes agissem de forma individual, “cada um por si”.

“Os jogadores têm de contribuir para a recuperação da economia do país como todos os outros”, disse à Rádio Renascença, revelando que os futebolistas da equipa de Matosinhos recusaram uma proposta para receberem os seus ordenados por inteiro, mas de forma faseada.

“Os jogadores quiseram esperar pelas negociações entre o sindicato e a Liga, que não chegaram a bom porto. O sindicato achou que os jogadores não tinham de abdicar de nada, mas toda a gente tem de abdicar de alguma coisa para não colocar em causa o futuro. Temos um mecanismo legal, que é recorrer ao layoff e é isso que deveremos fazer”, acrescentou.

“Os jogadores não têm amor ao clube nem à camisola. São profissionais, pensam na sua vida e não estão dispostos a fazer sacrifícios pelos clubes. Mesmo aqueles nascidos e criados no clube que, na minha opinião, às vezes até são os piores”, acusou.

Treinadores descontentes

Sem acordo entre jogadores e clubes (a excepção conhecida até ao momento é a do Sp. Braga, que chegou a entendimento com o plantel), também os treinadores manifestaram esta terça-feira a sua preocupação pela forma como a classe está a ser ignorada neste processo. Acusam em particular a Liga de alguma deslealdade negocial.

“Estivemos a negociar com a Liga, ouvimos as suas pretensões. No entretanto, viemos a saber que anteriormente ao processo a Liga já tinha informado a Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto da intenção de alguns clubes recorrerem ao layoff e, por outro lado, solicitou algumas alterações ao nosso contrato colectivo de trabalho”, lamentou ao PÚBLICO José Pereira, presidente da Associação Nacional dos Treinadores de Futebol (ANTF).

“Isto não foi correcto por parte da Liga e sentimo-nos um pouco atraiçoados. Foi a primeira vez que nos convidou a negociar alguma coisa e a Liga estava a tratar por outras vias questões que não faziam parte do nosso acordo”, censurou.

Época desportiva

Acusações rejeitadas pela directora-executiva da Liga. “Não tentámos nenhuma renegociação junto da Secretaria de Estado. O que pedimos foi que fosse alterado e regulamentado aquilo que era definido pelo Regime Jurídico das Federações Desportivas como época desportiva. Queremos que não tenha 12 meses e que seja enquadrada dentro da realidade daquilo que é época desportiva no futebol”, explicou Sónia Carneiro.

Em relação a ajustes salariais, José Pereira reforçou a disponibilidade dos treinadores para negociarem, dentro do razoável, mas mostra-se reservado em relação à verdadeira dimensão da crise financeira nos clubes.

“Se os clubes estavam em condições de participar no campeonato e entregaram toda a documentação na Liga a comprovar que não tinham dívidas salariais, nem ao Estado, à Segurança Social, como é que ficaram nesta situação de um momento para outro?”, questiona.

“Sabendo-se que receberam as verbas de Março dos direitos de transmissões televisivas, como justificam a possibilidade de recorrer ao layoff, demonstrando uma quebra nas receitas de 40%?”, conclui.

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