Projecto com cientista português tem 69 fármacos para testar contra o SARS-CoV-2

Projecto que envolveu mais de 100 cientistas, incluindo um português, identificou 69 fármacos já aprovados para outras patologias, mas que interagem com proteínas manipuladas pelo novo coronavírus.

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Mais de uma centena de investigadores em mais de 20 laboratórios conseguiram identificar fármacos que já existem e que interferem com proteínas manipuladas pelo vírus DR

Primeiro, foi preciso perceber como o novo coronavírus interfere nas células humanas e identificar quais as proteínas envolvidas na sua relação com os humanos. O ponto de partida reuniu, assim, um total de 300 proteínas humanas que seriam manipuladas pelo vírus. Depois, procurou-se na biblioteca de fármacos já aprovados para uso clínico os medicamentos que afectam cada uma dessas proteínas. Assim se chegou a 69 fármacos que têm algum tipo de acção em 66 das proteínas humanas identificadas e que, no fundo, representam um novo ponto de partida. Agora “só” falta testar estes compostos e perceber se têm ou não algum efeito na infecção causada pelo SARS -CoV-2.

Pedro Beltrão é o líder de um grupo de investigação no Instituto Europeu de Bioinformática que faz parte do Laboratório Europeu de Biologia Molecular (EMBL-EBI, na sigla em inglês). O cientista português é um dos mais de 100 autores de um trabalho divulgado a 22 de Março na plataforma de pré-publicações de acesso aberto, bioRxiv. No artigo, os investigadores constatam que ainda “não existem medicamentos antivirais com eficácia comprovada nem vacinas para sua prevenção”. “Infelizmente, a comunidade científica tem pouco conhecimento dos detalhes moleculares da infecção por SARS-CoV-2”, acrescentam. Num esforço que envolveu vários institutos e cientistas esta equipa clonou e analisou “26 das 29 proteínas virais [do SARS-CoV-2] em células humanas e identificámos as proteínas humanas fisicamente associadas a cada uma delas”.

Assim, segundo comunicam na pré-publicação dos resultados, foram identificadas 66 proteínas humanas que são de alguma forma afectadas por 69 medicamentos. Trata-se de fármacos já aprovados pela autoridade norte-americana do medicamento (FDA), medicamentos em ensaios clínicos e/ou compostos pré-clínicos. E agora? “Actualmente, estamos a avaliar a eficácia em ensaios de infecção por SARS-CoV-2”.

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O investigador Pedro Beltrão, o único cientista português envolvido no projecto DR

Em resposta ao PÚBLICO, Pedro Beltrão explica que “o objectivo principal do projecto é tentar identificar potenciais drogas a usar para tratar doentes infectados com SARS-CoV2”. A procura de fármacos já aprovados para o tratamento de outras doenças trazia a vantagem de sabermos que “este tipo de drogas é segura” e que “a sua utilização nesta pandemia poderia ser feita mais rapidamente que drogas novas”. Um plano que está a ser adoptado pela comunidade científica porque permite um avanço mais fácil para ensaios cínicos com doentes. Desta forma, a estratégia dos cientistas envolvidos neste projecto passou por apontar o alvo às proteínas humanas que são manipuladas pelo vírus, em vez de o atacar directamente. 

O investigador adianta que entre os fármacos identificados há velhas drogas com um potencial novo uso, como a cloroquina que é usada para tratar a malária. “A cloroquina é uma das drogas sugeridas também pelo nosso estudo, não pelo seu efeito antimalária, mas porque há indicação que possa inibir uma proteína humana chamada sigma-1, que o nosso estudo identificou como uma das que interage com o vírus. É possível que seja esse o mecanismo pelo qual a cloroquina tem um efeito na inibição da proliferação viral em linhas celulares”, diz. 

“Todos os vírus manipulam as células infectadas para o seu próprio proveito. Para tentar perceber como é que este vírus faz uso das nossas células, este estudo descobriu quais as proteínas humanas que interagem com cada proteína do vírus”, esclarece ainda o cientista português que confirma que se partiu do princípio de que há cerca de 300 proteínas humanas que são manipuladas pelo vírus durante a infecção. “Se conseguimos usar drogas que influenciem estas proteínas humanas, poderemos também conseguir combater a infecção”, conclui. Simples? A estratégia parece simples, mas falta confirmar a sua eficácia.

“É importante realçar que ainda não sabemos se estas drogas têm ou não algum efeito na infecção. Várias estão neste momento a ser testadas em dois laboratórios, em Nova Iorque e Paris, para avaliarmos a sua capacidade de inibir a infecção em modelos celulares”, refere Pedro Beltrão. A equipa liderada pelo investigador português é especializada na utilização de métodos computacionais para estudar problemas biológicos e ajudou neste projecto especificamente na “análise dos dados experimentais gerados”. Isto incluiu, por exemplo, certificar a qualidade dos resultados gerados. 

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“Fomos um de mais de 20 laboratórios envolvidos com competências muito diversas e o projecto como um todo foi liderado por Nevan Krogan, da Universidade de Califórnia de São Francisco, nos EUA. Esta diversidade de competências e o facto de alguns membros de equipas terem feito turnos permitiu que este projecto fosse terminado em tempo recorde”, destaca Pedro Beltrão, com um orgulho mais do que justificado.

Falta ainda, no entanto, como já se disse, dar alguns passos decisivos. “Além dos testes dos fármacos já identificados, um dos próximos passos em que o nosso grupo está agora activamente a trabalhar passa por comparar as proteínas e processos celulares alterados por este vírus com aqueles que são afectados por outros vírus humanos”, avança o investigador. Esta nova frente de trabalho pode, aliás, levar à identificação de processos celulares cruciais para este vírus e resultar em mais uma nova lista de fármacos para testar. “Outros laboratórios nesta colaboração internacional estão agora focados, por exemplo, em determinar as estruturas tridimensionais das proteínas do vírus e das interacções com as proteínas humanas”, acrescenta Pedro Beltrão.

Voltamos à velha questão da medicina. Quanto melhor conheceremos o nosso inimigo, maiores são as possibilidades de o derrotar. Neste caso, junta-se também uma urgência inédita. Os cientistas estão todos conscientes de que esta é uma incrível corrida contra o tempo, que pode salvar muitas vidas. Pedro Beltrão diz-nos que enquanto as equipas deste projecto continuam o seu trabalho e se aguarda pelos comentários de avaliadores externos, desde que os resultados foram publicados já “cerca de 100 laboratórios pediram-nos os reagentes produzidos durante o projecto, o que indica um interesse muito grande da comunidade científica neste estudo”.

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