Os epidemiologistas “de bancada” e a obsessão pelos dados
Com a situação social criada pelo novo coronavírus, surgiram “peritos” em epidemiologia e saúde pública, um pouco por todo o lado, que de forma gratuita colocam em causa e desconsideram o trabalho dos verdadeiros especialistas.
Desde o início da pandemia do novo coronavírus, fomos inundados por gráficos e curvas exponenciais e logarítmicas, que observamos e analisamos, traçando previsões e tendências. Porém, quando o fazemos, por sermos quase todos leigos na matéria, criamos cenários adequados às nossas expectativas, mais do que à realidade que nos é apresentada. Todos nós. Mais ou menos competentes em matemática e estatística, tentamos compreender a evolução da curva epidemiológica para percebermos até quando esta pandemia nos irá afectar.
É, contudo, com o aparecimento de epidemiologistas “de bancada”, que têm surgido os maiores focos de desinformação neste período. Com a suspensão do futebol e de toda a discussão nos programas e conteúdos que dominam o espaço televisivo e as redes sociais, assistimos ao desaparecimento dos especialistas em esquemas e sistemas tácticos futebolísticos, para o surgimento de peritos em previsão de curvas epidemiológicas e recomendações sobre a utilização de medicamentos que poderão curar a doença.
Nunca antes a desinformação foi tão grande como neste período em que vivemos. Para além das tradicionais fake news e conteúdos baseados em suposições infundadas, assistimos diariamente a recomendações e a previsões, de pessoas que não estão habilitadas para o efeito. Todos os dias, surgem informações contraditórias um pouco por toda a parte. Desde recomendações de equipamento de protecção a profissionais de saúde, passando pelo número de testes que devem ser feitos na população, aos períodos de contágio do vírus e às distâncias de segurança.
De repente, existem “peritos” em epidemiologia e saúde pública um pouco por todo o lado, que de forma gratuita colocam em causa e desconsideram o trabalho dos verdadeiros especialistas da Direcção-Geral da Saúde. Esta desinformação tem obrigado a uma comunicação mais atenta por parte das entidades responsáveis, que diariamente se têm esforçado para cuidadosamente desmistificar algumas das desinformações que se propagam tão rapidamente como este vírus.
A obsessão pelos dados
O confinamento social e a constante informação que é divulgada sobre o número de casos, mortes e estatísticas relacionadas, tem também levado a que muitas pessoas estejam a ficar obcecadas e ansiosas por estes dados, acompanhando ao detalhe a evolução da situação pandémica.
Nos resultados preliminares de um estudo recente da Universidade de Oregon nos Estados Unidos, que analisa como as pessoas compreendem o risco do novo coronavírus, e como isso afecta a sua tomada de decisão, mostrou-se que 38% das pessoas que acompanham permanentemente as estatísticas de novos casos ficam ansiosas e preocupadas com a doença, contra 18% das que não acompanham com tanta atenção. Segundo uma investigadora do estudo, este tipo de comportamento e obsessão pode ser comparado ao que se assiste no mercado bolsista. Os investidores de intraday, que compram e vendem as acções no mesmo dia, e que analisam ao detalhe os dados e informação relacionada permanentemente, são os que mais vezes perdem dinheiro, pois qualquer informação ligeiramente mais relevante os leva a comprar ou vender.
É isto que nos próximos tempos, e no pós-pandemia, iremos ter que voltar a aprender a fazer: olhar menos para os números de casos e mortos. Antes deste novo coronavírus, olhávamos, até com bastante indiferença, para números de milhares de doentes e mortes em diferentes doenças, com os quais infelizmente convivemos diariamente.
Por mais estranho que possa parecer, para que possamos rapidamente voltar ao quotidiano a que estávamos habituados, teremos de voltar à nossa indiferença perante estes dados. Estes números irão sempre existir, e não são, infelizmente (uma vez mais), exclusivos desta doença. No fundo, teremos de voltar a deixar que sejam os verdadeiros especialistas a tratar e a analisar esses números de forma correcta e fundamentada. Como sempre o fizeram.