Sem poderem voltar a casa, doentes com alta da covid-19 estão a saturar hospitais do Norte e Centro
Falta de condições de isolamento faz com que doentes estejam a ocupar lugares de outros “que efectivamente precisam desses cuidados”, aponta Ordem dos Médicos.
No Centro e no Norte do país os hospitais estão a ficar saturados com doentes com covid-19 que até poderiam regressar a casa ou às instituições onde vivem, mas que não o podem fazer pelo risco de contágio. Isto porque, seja nos seus domicílios, seja em lares de idosos, não há condições para fazer o isolamento aconselhado pelas autoridades de saúde. Assim, os casos suspeitos ou os doentes que têm poucos sintomas acabam por permanecer nos hospitais onde deram entrada, sem que haja necessidade de cuidados médicos tão intensos. A consequência é ficarem a entupir os hospitais, retirando margem para que possam dar entrada outros doentes “que efectivamente precisam desses cuidados”, aponta o presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, ao PÚBLICO.
O responsável não consegue, para já, apontar números. “É a percepção dos médicos que estão na linha da frente e que necessitam de lugares, de condições para poderem tratar os novos doentes que entram”, refere, dizendo que estes constrangimentos lhe foram relatados por vários hospitais da região Centro. “Esses doentes estão muitas vezes a entupir os hospitais. Isto é um dado novo com um impacto enorme sobre o Serviço Nacional de Saúde”, adverte.
E daqui para a frente? “Apesar de não haver um aumento diário muito grande, os números estão a subir. Este fenómeno de balão a encher é cada vez pior”, diz. Neste momento, o procedimento varia de instituição para instituição, explica Carlos Cortes. Há hospitais que estão a dar alta e ficam com o doente, outros que, por não conseguirem colocar o doente em condições de isolamento noutro espaço, não dão alta.
A Administração Regional de Saúde do Centro (ARSC) não diz directamente se tem registo do cenário apontado pela Ordem dos Médicos do Centro. Fonte oficial da ARSC, aponta para um despacho conjunto dos ministérios da Administração Interna, Modernização do Estado e da Administração Pública, Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e Saúde, segundo o qual “competirá às câmaras municipais accionarem recursos para apoiar as pessoas que não têm condições de cumprir o isolamento profiláctico”. “Serão as denominadas redes de retaguarda”, acrescenta.
Questionado pelo PÚBLICO, fonte oficial do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra informa que os hospitais, em caso de necessidade, continuam a encaminhar doentes para unidades de retaguarda mas que, se estas não tiverem capacidade de resposta, “o doente não pode ser colocado na rua”. Tal como a ARS do Centro, o CHUC aponta que “caberá às câmaras municipais reorientar essa resposta”.
Ao PÚBLICO, tanto a ARS do Norte como a do Algarve dizem não haver registo dessas situações. Já no Sul do país, o presidente da Secção Regional da Ordem dos Médicos. Alexandre Valentim Lourenço, refere que não tem essa informação, embora admita que possa haver casos. No mesmo sentido, fonte oficial do Hospital Santa Maria, em Lisboa, afirma que, “nesta altura, essa questão não se coloca”. Ou seja, que “não há saturação” e que, caso o número de doentes assim o justifique, o hospital ainda tem capacidade de accionar várias enfermarias para lhe dar resposta.
Apesar da indicação da ARS do Norte, fonte oficial do Centro Hospitalar e Universitário de São João, no Porto, confirma que, de facto, esse problema existe. No entanto, não consegue precisar o número de casos de doentes nestas circunstâncias.
Também o presidente da Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos, António Araújo, fala num “cenário transversal”. “Então um casal com um filho, que viva num T1, como é que pode fazer o isolamento? ”, exemplifica. E prossegue: “Esses doentes acabam por ficar nos hospitais ocupando camas e acabam por entupir hospitais em todo o país.”
“Todos os actores da sociedade podem intervir”, apela Carlos Cortes. Ou seja, “todas as instituições que tenham camas que serviam outros propósitos” – como unidades hoteleiras, residências de estudantes, de trabalhadores, instituições de saúde privadas ou do sector social, exemplifica – podem ser mobilizadas. “O que se pretende é mimetizar as instalações dos lares”, refere, mas com a capacidade de isolar os doentes.
Com Alexandra Campos