Layoff simplificado ou a vida em suspenso
As linhas de crédito que o Governo propôs, nos moldes actuais, empurram as empresas para um ciclo vicioso de dívidas infindáveis à banca.
Na passada quinta-feira o Governo aprovou novas medidas, complementares às já adoptadas desde a entrada em vigor das medidas de execução do Estado de Emergência, entre elas, uma nova versão do layoff simplificado, ao qual as empresas que antecipem quebras na facturação podem aceder.
O apoio às empresas é importante, no entanto, não deve ser feito à conta da precariedade, em que se traduz o layoff. Em momento algum nos podemos esquecer que estamos diante de um regime que permite suspender o contrato de trabalho ou reduzir o período normal de trabalho, com cortes salariais e com o apoio do Estado, neste caso de forma simplificada e com critérios de acesso alargados.
O que deveria estar em cima da mesa desde o primeiro momento era precisamente a injecção de capital nas empresas, a par de garantias de direitos laborais e que mais recursos devem vir por via da solidariedade europeia, como seja os eurobonds ou o financiamento da Comissão Europeia.
As linhas de crédito que o Governo propôs, nos moldes actuais, empurram as empresas para um ciclo vicioso de dívidas infindáveis à banca, para além de terem um custo de quase 3%, que é significativo no momento em que vivemos e que apenas beneficiará - como sempre e mais uma vez – a banca – e de assumirem a premissa naif de que, após a pandemia, as empresas terão a liquidez suficiente para devolver o dinheiro emprestado (algo que todos sabemos que não acontecerá).
No entanto, nem há 15 dias foi decretado o Estado de Emergência, em cujo âmbito foram aplicadas medidas que implicaram o consequente encerramento de determinados espaços comerciais ou sectores de actividade, e são já inúmeros os casos de despedimentos, de não-renovação de contratos ou de imposição do gozo de férias aos trabalhadores desde o sector da hotelaria, da restauração, dos call centers à indústria. De fora das medidas do Governo ficou, porém, a salvaguarda de um travão a este tipo de práticas absolutamente imorais e abusivas em plena crise que nos atinge a todos. E aqui é urgente urgente a tomada das necessárias medidas para que a Autoridade para as Condições de Trabalho intervenha eficazmente nas situações de actuação à margem da lei.
Não quer isto dizer que não existam, porque as há, empresas, que mesmo tendo os trabalhadores em casa continuam a cumprir com o pagamento dos seus salários e até a contribuírem de forma solidária para ajudar no combate à covid-19, inclusive através das suas linhas de produção.
Mas a solução do layoff simplificado para além de atabalhoada, uma vez que implicou a existência de várias clarificações, acaba, também, por ser ineficaz, face às empresas que já estão a despedir, representando um aval do Governo a uma generalização de uma solução de precariedade e de desrespeito dos direitos dos trabalhadores. Mais positiva é, sem dúvida, a moratória dos créditos bancários às empresas, que na prática, ao congelar as obrigações das empresas para com os bancos por 6 meses, assegura um balão de oxigénio às empresas.
Não sendo a questão central deste artigo, não posso deixar de referir, que a banca tem agora a oportunidade de retribuir a todos os contribuintes o apoio financeiro directo que gozou durante anos e que ascenderam a largos milhões de euros do dinheiro de todos nós.
Ainda que a margem orçamental disponível para estas medidas excepcionais promovidas pelo Governo deva ser maioritariamente canalizada para o financiamento das despesas com o Serviço Nacional de Saúde, não temos dúvidas que existe margem para ir mais longe nas medidas de apoio às empresas. E ir mais longe é não só assegurar o pagamento das dívidas do Estado às empresas e, como propôs Mario Draghi no Financial Times, criar linhas de crédito a custo zero (como solução complementar), é sim, principalmente assegurar, com base num critério de eficiência, injecções de capital nas empresas que efectivamente dele precisam e que dêem garantias de viabilidade futura e de respeito pelos direitos dos trabalhadores.
Durante anos os sucessivos governos incentivaram um modelo económico que, ao invés de investir na economia produtiva, apostou as fichas todas no sector do turismo (com incentivos desmedidos a hostels e hotéis) e na especulação imobiliária (com mecanismos pouco transparentes como o programa dos vistos gold). Ora, esta situação vai inevitavelmente fazer com que surjam mais dificuldades na recuperação económica do país, porque é hoje claro que o sector do turismo nos próximos anos pode não ser viável, já que a lógica de turismo de massas parece não poder repetir-se seja pelas quebras de rendimento das pessoas, seja por um controlo mais apertado da segurança e dos movimentos no futuro ou ainda pelos impactos ambientais - e até epidemiológicos, que um mundo excessivamente globalizado e voraz tem provocado.
Neste momento já ninguém duvida do impacto brutal desta pandemia na economia portuguesa e no seu tecido empresarial – segundo o mais recente boletim do Banco de Portugal na melhor da hipóteses o desemprego ficará nos 10.1% e o PIB recuará em 3.7%. Conforme têm assinalado diversos economistas, contrariamente ao que sucedeu na crise de 2008 em que a solução passava por estímulos à procura agregada, esta será uma crise resolvida através de garantias de liquidez às empresas.
Ciente de que este é o caminho correcto, a Comissão Europeia tomou medidas excepcionais: suspendeu as regras do défice e autorizou a realização de ajudas de estado às empresas. No mesmo sentido, também o Banco Central Europeu, depois de alguns zigue-zagues iniciais, lançou um programa de compra de activos do sector público e privado, no valor de 750 mil milhões de euros 750 mil milhões de euros.
Naturalmente, relativamente a estas medidas não podemos ser ingénuos: todos sabemos que, devido à elevada dívida pública que temos, estas medidas excepcionais das instituições europeias não significam para Portugal o mesmo que significam para a Alemanha ou para França, nem nos dão a mesma margem. Por isso mesmo, para que se possa realmente fazer face à crise económica que vivemos, deveria haver por parte do BCE e da Comissão Europeia medidas solidárias e de partilha de risco que assegurassem que países como Portugal, Espanha e Itália não tivessem de pagar mais tarde na sua dívida pública os benefícios que agora lhe são concedidos pelas instituições europeias.
No imediato a urgência máxima passa, conforme defenderam o Banco de Portugal e o Conselho de Finanças Públicas nos últimos dias, por, no quadro do BCE, garantir a recuperação do mecanismo das eurobonds e assegurar já a emissão conjunta de dívida ao nível da União Europeia ou da zona euro, algo que permitiria caminhar para um aprofundamento da integração económica e monetária e evitaria perdas de acesso a financiamento (presente e futuro) nas economias mais afectadas. No médio prazo, vencida a covid-19 e quando as nossas vidas começarem a regressar ao normal, é necessário, conforme assinalou o primeiro-ministro espanhol, que a Comissão Europeia lance um ambicioso plano de recuperação económica da Europa que assegure um forte investimento público e coloque as economias dos países novamente em pleno funcionamento. Contudo, para que isto suceda, é necessário que haja vontade política por parte dos líderes europeus e que haja um espírito de solidariedade e a vontade de tornar a União Europeia numa grande potência económica, algo que pelo menos no primeiro round de negociações do Conselho Europeu parece não suceder – já que se traduziu na opção de privilegiar a solução ineficaz do recurso a uma linha de crédito com condicionalidades do Mecanismo Europeu de Estabilidade. Esperemos que esta não passe de uma posição errada e que, em breve, este posicionamento seja revertido e que a União Europeia se possa mostrar como uma verdadeira União.
O futuro das empresas e dos muitos trabalhadores do país é neste momento incerto, mas não tenhamos ilusões, ultrapassada esta crise pandémica, o país não vai recuperar de uma expectável recessão financeira sem saúde, sem trabalhadores e sem empresas, seja qual for a sua dimensão.
Da mesma forma que não se resolve com incentivos ao consumo, mas sim com injecções na economia, com mecanismos que assegurem às empresas apoio financeiro robusto, rápido e desburocratizado. É que o caminho alternativo é uma fórmula já conhecida e pouco eficaz, um caminho que coloca a vida das pessoas em suspenso e aumenta uma vez mais as fileiras do subsídio de desemprego ou dos apoios sociais indirectos.