Novo plano do ministério é demasiado “vago”, mas poderá ajudar as escolas
Orientações para o ensino à distância no 3.º período tentam evitar a “multiplicidade de experiências” postas em prática nas últimas duas semanas, mas não dão respostas para a falta de recursos digitais que se faz sentir em muitas casas.
“Excessivamente vago”, “bastante genérico”. É deste modo que investigadores contactados pelo PÚBLICO caracterizam o novo Plano de Ensino à Distância elaborado pelo Ministério da Educação para ter aplicação no 3.º período, que devido à pandemia provocada pela covid-19 se desenrolará com alunos e professores em casa, como já aconteceu nas últimas duas semanas.
Apesar deste carácter genérico, os economista do Banco de Portugal, com investigação na área da educação, Hugo Reis, e o também professor da UNL, Pedro Freitas, e a professora da Universidade Lusófona do Porto, Célia Oliveira, classificam como “positivo” o facto de o ME ter elaborado um “documento orientador” que ajude as escolas a viver este momento de excepção, que provavelmente se prolongará por mais alguns meses.
Ou, como explicita Hugo Reis e Pedro Freitas, em respostas enviadas por escrito, tenta-se deste modo “enquadrar, para o futuro, a multiplicidade de experiências surgidas nas últimas semanas, que têm exigido um grande esforço por parte das escolas”. Trata-se de um plano que “cada escola terá de pensar e operacionalizar tendo em conta as características e necessidades dos alunos, a começar pela idade e o nível de ensino quem frequentam”, antevê Célia Oliveira, que se tem dedicado às dificuldades de aprendizagem e tem o “pelouro” da aprendizagem no projecto Iniciativa Educação, lançado pela Fundação Teresa e Alexandre Soares dos Santos.
Tendo na base a experiência das últimas duas semanas em que os alunos estiveram a trabalhar a distância, o ministério adianta no seu plano que as escolas devem “encontrar os meios tecnológicos” para o potenciar “sem inundar os alunos de múltiplas soluções de comunicação”. Devem também, acrescenta-se, “recorrer aos meios tecnológicos já utilizados anteriormente pelos professores e pelos alunos (…) tais como e-mail, programa de gestão de alunos, blogues, entre outros”.
“É um documento positivo que as escolas vão ter de adaptar à sua realidade, mas que permite que estes actuem com alguma uniformidade”, destaca o presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), Filinto Lima.
Hugo Reis e Pedro Freitas destacam algumas ideias que “devem estar subjacentes” ao desenvolvimento do ensino à distância. Dois exemplos. “Dada a acumulação na família de ensino à distância e teletrabalho, a que se acrescenta a natural limitação de recursos, é necessária uma maior concretização no que respeita à mancha horária. Tal justifica-se uma vez que não nos parece exequível a reprodução do horário semanal típico em versão online”; são precisas também “indicações mais concretas no que respeita aos instrumentos de avaliação a serem usados, e como é que estes contribuem para uma futura avaliação sumativa”.
“É preciso que existam instruções muito claras sobre os objectivos e as tarefas a desenvolver” pelos alunos, acrescenta Célia Oliveira, destacando que um dos “grandes desafios do ensino à distância é o da autoregulação dos estudantes, que geralmente não tem de se exercer quando estes vão para a escola”, onde o professor está presente na aula, também para monitorizar o trabalho que é desenvolvido.
O novo plano elaborado pelo ME não oferece ainda respostas à questão que tem suscitado mais alertas: o facto de muitos alunos poderem ficar para trás pelo simples facto de nas suas casas não existirem computadores nem Internet, instrumentos que são fundamentais para o ensino à distância.
Um plano sem diagnóstico
Filinto Lima está convicto de que esta situação de desigualdade se vai “diminuir acentuadamente” no 3.º período devido ao esforço que está a ser desenvolvido por escolas, empresas, autarquias, entre outras entidades, para colmatar aquelas necessidades. “Todos estão empenhados nesta tarefa”, garante. Paulo Guinote, professor do 2.º ciclo e autor do blogue O Meu Quintal, não partilha deste optimismo: “Este plano deveria ter sido delineado depois de ser feito o levantamento em curso acerca dos meios ao dispor dos alunos para o ensino à distância”. A sequência deveria ter sido quase a inversa, ou seja, primeiro fazia-se o “inventário digital” junto de alunos e também professores, a seguir delineava-se um plano de acordo com os meios existentes ou que se possam mobilizar adicionalmente e só depois deveriam ser feitos anúncios públicos sobre o que vai ser o 3º período”, contrapõe.
Os dois economistas lembram que o plano agora elaborado pelo ME fomenta “que a escola procure parceiros para enfrentar as dificuldades existentes”. “Contudo, num momento em que muitos alunos não têm os recursos tecnológicos necessários e em que as escolas estão bastante focadas a construir materiais de raiz para o ensino online, parece-nos que esta mobilização devia ser mais apoiada pelo ministério”, defende.
Célia Oliveira destaca que os estudos existentes sobre as experiências de ensino à distância têm mostrado que este coloca “desafios acrescidos a quem já está em desvantagem”. “Ninguém teve tempo suficiente para acautelar estas situações porque tudo foi tão súbito, mas este é o passo que deve ser já dado. É uma prioridade”, defende.
Notícia corrigida às 15h30 de 28/3/2020. Corrige nome da fundação de Francisco Manuel dos Santos para Teresa e Alexandre Soares dos Santos.